sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Doces travessuras


Esse ano decidi me aventurar por literaturas que ainda não conhecia ou que não conhecia bem, e foi nesse contexto que comecei a ler os escritores sul-americanos. E essa foi uma muito feliz escolha.
A primeira coisa que pensei ao pegar o livro de Mário Vargas Llosa nas mãos foi: esse é um bom titulo. Confesso que esperava uma história de desventuras tragicômicas, com um protagonista banana, enganado pela mulher. O tipo de romance de costumes de pequeno burguês. Mas a verdade é muito mais negra. Na verdade, o humor do feliz titulo de Llosa, Travessuras da Menina Má, é um total reflexo da real natureza da obra: um delicioso e venenoso humor negro que se mescla aos dramas de um verdadeiro amor que, não fosse o infeliz senso de humor do destino, seria grandioso. Apesar de não deixar de ser um amor digno de uma obra romântica do século XX, com sentimentos tão fortes que são capazes de superar tudo – TUDO mesmo.
Mario Vargas Llosa
Quase uma história de amor sado-masoquista, o romance começa com a infância dos protagonistas, em um Chile que só existe na lembrança das personagens e a cada dia se apaga mais. Lá o “Bom menino” conhece a “Menina má”, uma garota pobre, que supostamente trata-se de uma peruana, o que se revela uma grande mentira. Anos depois, agora na bela Paris, os dois se reencontram. Ele é um jovem tradutor vivendo seu sonho de morar na Cidade Luz, e ela um guerrilheira a caminho de Cuba. Não que ela se interesse pela revolução, apenas quer sair do Chile. O bom Ricardo descobre então que não deixou de amá-la nem um único dia, todavia, são separados pelas circunstâncias. Até que anos depois ela retorna, usando outro nome (o verdadeiro nome dela só é supostamente revelado no final), e mulher de um diplomata relativamente rico. Começam a ter um caso, mas logo fica obvio que a Menina Má não sente por ele o mesmo afeto, ainda assim, ele é a única coisa real em sua vida.
O que se segue é uma comédia de humor negro de enganos, combinado com o mais doentio das histórias de amor modernas. Eles sempre se aproximam e se afastam, atraídos um para o outro, e repelidos pela natureza fria dela e pelo desejo ardoroso dele. Ela sonha com a glória e uma vida abastada, ele em tê-la, e daí desencadeia-se a longa história de sentimentos, sonhos, fracassos e fragmentação dos personagens.
O livro coloca em questão importantes faces da natureza do amor, sendo que é impossível não se revoltar com o que é narrado, mas ao mesmo tempo, não é possível questionar a natureza de um verdadeiro “amor que tudo suporta”. A melancolia e a solidão são elementos freqüentes, que surgem a medida que os seres humanos são cada vez mais fragmentados. E a medida que os sonhos definham, que o passado morre e o vazio do mundo aumenta, o que persiste é o sentimento, triste, feroz, avassalador, que irá ligar aos dois personagens, até o último dia de suas vidas. Uma história tocante e terrível, doce e amarga, que irá encantar, talvez, e chocar, com certeza, o leitor. 


“Foi só vê-la para reconhecer que,mesmo sabendo que qualquer relação com a menina má estava condenada ao fracasso, a única coisa que eu realmente desejava na vida, com a mesma paixão que outros dedicam a perseguir a fortuna, a glória, o sucesso ou o poder, era ela, com todas as suas mentiras, suas confusões, seu egoísmo e seus desaparecimentos.”
Mario Vargas  Llosa - Travessuras da Menina Má

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A solidão Sul-Americana


Um dos maiores escritores sul-americanos, e também agraciado com o premio Nobel de literatura, o colombiano senhor do realismo fantástico, Gabriel Garcia Marquez, já é quase um icone da cultura pop latina-americana. Em seu discurso de posso do premio mais cobiçado do mundo intelectual, falou sobre a solidão da América Latina. Uma solidão calcada na incompreensão de um mundo que a desconhece, e no abandono, tanto político quanto existencial que a cerca. E ele diz, “é nisso que consiste nossa solidão”.
Entretanto, a solidão de sua maior obra, o monumental Cem Anos de Solidão, é muito mais sólida, calcada na magnitude da própria solidão humana, em sua busca por plenitude e completude e todo esforço para se manter firme no vácuo. E é desse pressuposto que parte a obra, calcada na trajetória solitária de uma família ao longo de cem anos de sua história. Essa família, todavia, não é uma mera composição de homens e mulheres com laços de sangue, essa família é a composição de toda uma America do Sul incompreendida e em busca de sua realização.
Gabriel Garcia Marquez
A primeira coisa que um leitor percebe ao ler Cem Anos de Solidão é o quanto ele é vasto. O que um autor demoraria várias páginas para contar, Garcia Marquez o narra em questões de linhas. O que dá ao texto, palavra derivada de textura, uma densidade grossa (ainda que o livro tenha em torno de 500 páginas), construindo uma poética que é um verdadeiro monumento literário. Uma versão sul americana do que Proust fez com seu Em Busca do Tempo Perdido. Por isso é uma leitura que demanda esforço e concentração.
Mas a trama em si se sustenta, e somos levados por ela, nos transportando para o povoado mágico de Macondo, onde os Bendia são uma das famílias de maior prestigio. O elemento fantástico permeia toda a trama, e constantemente somos apresentados à situações no mínimo incomuns. Assim, o mundo de Garcia Marquez é um mundo só seu, do qual somos convidados para explorar. Mas é um mundo tão sólido, construído sobre alicerces tão fortes que é a palavra, que chegamos a sentir seu gosto. Mesmo depois de ter terminado o livro, não é possível esquecer-se do que acabamos de ler, ao contrário, é como se a Macondo mágica do livro construísse uma parte sua em nós.
O grande apelo da obra está na capacidade do autor de fazer entrever as questões existenciais de seus personagens através da história do lugar onde estes habitam, pois a cidade imaginária da história começa e termina com a chegada do primeiro e a morte do último membro da família, o que demonstra que a geografia do romance é meramente simbólica. Do mais, ele faz da história da própria América Latina a matéria prima que gera os fatos narrados no romance. Deste modo, Marquez entrelaça a existência humana em sua solidão natural e brutal, que busca a inatingível plenitude ao lado de outros sujeitos igualmente solitários, costurando a relação dessa busca com o ambiente em que vive o homem. Motivo pelo qual a solidão do romance é tão latina, tão nossa.
De mais, não falarei sobre o livro, pois acho que cada um precisa ter uma experiência com essa obra fantástica. Por isso, se não leu Cem Anos de Solidão, não perca aquela que será uma das leituras mais incríveis de sua vida.


Outras capas:




domingo, 17 de novembro de 2013

[ESPECIAL HENRY JAMES] A Fera Jamesiana


Uma das principais obras curtas de Henry James, a obra A fera na selva, de 1903, também é uma das mais belas obras do começo do século XX.  Modesto Carone, em seu posfácio à edição brasileira de 2007, refere-se à novela jamesiana como uma “renovação inesperada da história de amor” (pág. 83), pois James trata a trama de uma ótica totalmente incomum para as histórias românticas.
Pertencente à terceira fase do escritor, a última e mais complexa, o livro segue toda estrutura que marca essa fase, onde o autor abandona a preocupação com a trama para se focar na psicologia das personagens, criando uma narração que se calca mais na ausência que na ação, o que dá aos seus escritos um tom mais monótono. Ainda assim, se falta ação, James não deixa nem por um segundo de envolver seus leitores com um suspense sutil.
Caricatura Henry James
A história narra o reencontro de John Marcher e May Bartram após muitos anos. Desse encontro, o leitor descobre que no passado, John fizera a moça uma confidência inusitada, revelando a ela a terrível maldição que rondava sua família: “um mal que espreita para dar-lhe o bote como um fera na selva.” Ninguém sabe quando ocorrerá, mas John sabe que ao acontecer será trágico, assim como o foi com seu tio. A moça, única pessoa para quem ele contou esse segredo, o guardou até o presente, e disso nasce uma amizade longa que duraria até o fim de suas vidas, e que aos poucos se converteria, sem que John o notasse, em algo mais.
Conforme os anos passam, sua relação se torna mais próxima, entretanto, John está cada vez mais temeroso de sua maldição. Os dois estão mais próximos, e ele percebe que May é a melhor coisa em sua vida. Mas não deixa-se, por medo, levar pelo amor. Até que esta fica doente, e morre.
Somente então a terrível maldição é revelada, e ele descobre que poderia sido evitada: deixar a vida passar ao léu, e não viver por medo. Diante desse consciência John brada em desespero sob o tumulo da ama, ao que o narrador, que se confunde com o fluxo de pensamento da personagem sentencia: “Quando as próprias possibilidades, consequentemente, mostravam-se exauridas, quando o segredo dos deuses se esvaia, ou mesmo evaporava, isso sim, e apenas isso, era o fracasso” (JAMES, 2007; p. 44).

Todorov (2003), define as novelas jamesianas como uma busca por uma carência ou uma ausência. Segundo o teórico, quando essa carência ou ausência é suprida a história acaba. Nesse sentido, A fera na selva narra a triste história de amor partindo do medo de John, que faz com que negue e fuja do amor devido a expectativa do que possivelmente irá ocorrer (o desconhecido, a ausência de um mal que surgirá a qualquer momento), e no momento em que ele toma consciência do que é esse mal, a trama acaba.

Imagem interior do livro, edição Cosac Naify, toda estilizada.

Um novo detetive na área


Sherlock Homes, Algust Dupin e Hercule Poirot têm um novo concorrente na área, o detetive particular Cormoran Strike, protagonista do segundo romance para adultos da autora de Harry Potter, a soberana J. K. Rowling, e o primeiro dela usando o pseudônimo de Robert Galbraith (uma tradição literária mantida desde os séculos XIX e XVIII, onde as mulheres não podiam escrever a adotavam um pseudônimo de homem, tal como George Sand, a primeira grande dama a fazer fama com o método), o romance O chamado do cuco (Rocco, 2013). Mas, os fãs de literatura de mistério logo irão notar que o detetive perneta (sim, ele só tem uma perna), Cormoran Strike, tem muito mais o calor dos detetives de romance noir das décadas de 1950 e 1960, do que a magia onisciente dos detetives citados à cima. Isso porque apesar das atitudes clássicas, como esconder a identidade do assassino até o último momento, o grande Cormoran Strike (grande porque também é um brutamontes peso pesado) não sabe tudo, mas se arrisca bastante, sendo um fracassado que procura se levantar do fundo do poço.
J.K. Rowling
Isso porque o coitado levou um pé na bunda da namorada de longa data, que já está noiva de outro, além de estar devendo uma quantia enorme ao pai dele, um astro do rock que ele odeia, e o fato (já mencionei?) de ele ter perdido uma perna, bem como metade de seu amor próprio. E é assim, endividado, machucado e chutado, que ele conhece a espeta Robin, uma secretária que parece que caiu do céu para ajuda-lo a desvendar o caso sinistro que cai em suas mãos: o assassinato de uma supermodelo.
E é com esse assassinato que o livro começa, relatando os instantes após o suposto suicídio da beleza negra Lula Landry (vulgo cuco). Três meses depois, o irmão mais velho dela (adotivo), procura o detetive pedindo que ele investigue o caso, pois não acredita que a irmã tenha se matado. Daí a trama realmente começa. E é uma viagem pelo mundo da fama, do glamour, das drogas, dos porões das famílias ricas de Londres e do passado infeliz dos personagens da trama.

Se, em si, Rowling ou Galbraith não trouxeram nada de novo à arte literária, pois o livro consegue ser sim muito clichê em vários pontos, a autora consegue cativar o leitor desde o primeiro capítulo. Seu talento para criar personagens bem desenhados, que marcam e ficam gravados no leitor é indiscutível. Com certeza a sombra desses personagens irá continuar nítida na mente do leitor após fechar o livro. E, quanto a definição de “livro para adultos”, eu descordo. Acho que Rowling fez algo muito coerente e bom (principalmente em termos de venda) para ela, que foi escrever para os leitores de HP que cresceram, o que faz o livro agradar desde pré-aborrecentes de 13 anos até leitores mais experientes, de 52, que gostam de literatura policial, afinal, o garoto bruxo também estava sempre desvendando mistérios, o que nos permite afirmar que Rowling sempre escreveu histórias de detetive. Uma boa pedida para quem quer se divertir lendo. 

De dentro da redoma



Que tal encarar um livro um pouco mais grosso que o habitual? Por um pouco, digamos, umas 950 páginas? Parece muito, mas quando é Stephen King o autor a noção de tempo e espaço se torna extremamente relativa, e você simples irá ficar preso no livro. E exatamente esse o efeito que Sob a redoma (Suma Das Letras, 2013) causa no leitor. Frenético, contato em um ritmo de tirar o fôlego, com cenas que são verdadeiras tomadas cinematográficas, é impossível largar o livro antes de chegar ao seu final.
Stephen King
A história de Sob a redoma já foi comparada com o filme dos Simpsons, mas com bem menos comédia. E se a história soa absurda, um pouco clichê, com uma tirada que foi digna de uma animação de comédia, a trama de King não deixa nem por um segundo de perder o fôlego do mestre do suspense, e consegue enredar o leitor em uma teia sutil que o faz imaginar um universo bem provável nesse mundo absurdo, um universo até coerente se posto em pauta o universo do próprio livro.
A ideia em si já assusta: uma cidade totalmente isolada do mundo. Entrar é impossível, sair também, só se pode permanecer e sofrer as consequências de ser um rato de laboratório (opa!, quase um spoiler). Nessa cidade pequena que subitamente se viu refém de uma cúpula invisível (cúpula e redoma são a mesma coisa?), interesses ocultos começam a mexer os fios que controlam a pacata vida da cidade, e o resultado é um inferno em expansão por toda obra.
Capa brasileira 
Muitos são os personagens que povoam o quilométrico romance de Stephen King. Dentre eles, o herói (que não consegue em suma fazer nada heroico) Dale Barbara, um ex-oficial do exercito que ficou preso na redoma, e agora precisa lidar com a fúria do grande vilão da história, o segundo vereador e trambiqueiro de carros usados, o balofo Big Jean. Como politico, Big Jean usa a cidade como faixada para exercer seus negócios ilícitos, enquanto controla tudo como se fosse o quintal de sua casa, quase como um coronel ao estilo nordeste brasileiro. E quando seus interesses são ameaçados, a redoma pode ser apenas um problema secundário na vida dos prisioneiros.
Em suma, os personagens são bem traçados, e você logo se identifica com um e outros, enquanto suas imagens te perseguem mesmo após fechar o livro. É uma grande experiência esse romance, fruto da maturidade do autor, que já havia o começado trinta anos antes e parado, por não saber como concluir. Mas agora, a obra não decepciona em nada e faz jus ao nome do autor de clássicos como O iluminado e À espera de um milagre. (Menções essas que dispensam qualquer outro comentário sobre o autor). Quanto a obra, ainda na lista das mais vendidas nos EUA e também no Brasil, já ganhou uma série televisiva e promete uma segunda temporada por aí. 
Eu já era fã deste velho, e fui dos que comprou o livro já logo depois que ele saiu, apesar de só tê-lo lido agora. Mas valeu a pena, ele me fez perder algumas noites de sono, lendo até 4 ou 5 horas da manhã sem parar. Por isso superrecomendo. E, fica aberto aqui um marco, pois esse é o primeiro post de um livro do Stephen King aqui no blog (o que já estava na hora), mas com certeza não será o último. 

Poster da série:


terça-feira, 12 de novembro de 2013

Espantalho



De um horizonte 
tão reto
capturo a mesma imagem
[sempre em silêncio]

Seco!

o sol amarelece a foto 
que em minha frente compõem
dias estéreis
(empalhados)
velados pelo sopro calado
de um vento infecundo

Existo!

Conservando nas entranhas
brados encarcerados
condenados para sempre
à mudez

como quem consente ao cenário
agônico
mantenho a face rígida

[um corpo vácuo
fincado num pedaço de terra morta...]

Sustento um corpo ereto
tecendo instintivamente
um campo de defesa

as aves que em sua arte
tentam transmitir aos dias mudos
a alegria de um canto limpo

Espanto!

Em meu espaço
estarei fadado a ouvir somente
gritos
que roncam compulsivamente
no meu estômago empalhado

por hora
vou marcando em cada nascer de sol
um ponto cego
(e a poesia?)

Espanto!

– No fim meu peito será rasgado
e nesta terra seca, para todo sempre,
jazerão meus trapos.

Autor: Mário Lousada

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Henry James e a crítica

Henry James
Não apenas romancista e contista, Henry James também foi um teórico e crítico literário importante. Seus trabalhos mais notáveis nesse sentido estão contidos nos livros A arte da ficção, qual o autor escreveu em apenas 3 dias, em Londres, após encontrar um panfleto onde um professor comentava sobre o futuro do romance; e uma série de prólogos, que ele escreveria para as suas edições definitivas, e que posteriormente seriam recolhidas em uma antologia que levaria o nome de A arte do romance.
Em A arte da ficção (2011), Henry James atribui grande importância a função do crítico (que em seus dias apenas começava a ser definida) para com a arte. O autor constrói deste modo o paralelo onde
A arte vive de discussão, de experimentação, de curiosidade, de variedade de tentativas, de troca de visões e de comparação de pontos de vista; e presume-se que os tempos em que ninguém tem nada de especial a dizer sobre ela e em que ninguém oferece motivos para o que pratica ou prefere, embora possam ser honrados, não sejam tempos de evolução – talvez sejam tempos, até, de uma certa monotonia. A prática bem-sucedida de qualquer arte é um espetáculo agradável, mas a teoria também é interessante; e, embora haja uma grande quantidade da segunda sem a primeira, suspeito de que nunca tenha havida um sucesso genuíno que não tenha tido um âmago latente de convicção (JAMES, 2011, p. 12).

Nessa obra, ele procura definir quais são os papeis da arte literária, com o que ela deve se engajar, e qual o seu futuro. James foi, deste modo, o primeiro autor a levantar a voz e dizer que o escritor deveria ser livre, e que a arte pode tratar de qualquer tema e da forma que o gênio criador achar mais conveniente. Isso foi importante pois, pela primeira vez, quebrava os dogmas das escolas literárias e incentivava a criação individual. Assim, para o autor, assuntos sérios e populares mereciam atenção do artista, sendo que o critério que determinaria o valor dessa obra seria o talento e a sinceridade com o escritor lhe trataria.
Quanto ao futuro do romance, James era pessimista. Ele viveu a época do grande “bum” editorial, onde o mercado começava a produzir e a consumir uma infinidade de títulos anualmente. Escritores ruins surgiam cada vez mais, ao passo que os bons eram cada vez menos, e o público parecia gostar cada vez mais da literatura puramente de entretenimento. Diante disso, James acreditava que o excesso de obras ruins no mercado sobreporia e afogaria a boa arte, e, deste modo, só sobraria a arte de massa. O que, felizmente, ainda não aconteceu.
Ao mesmo tempo, ele foi crítico de outros autores de seu tempo. Um exemplo foi seu ensaio sobre Emile Zóla, autor cujo talento James parecia contestar, ainda que fossem (ou houvessem sido) amigos.
Já em seus prólogos, James abandona o papel de crítico e assume o de teórico. A importância de sua Arte do romance (2011) iria além de suas próprias expectativas, e até os anos de 1960 (sessenta anos após sua publicação), ainda seriam discutidas pelos teóricos avidamente. O curioso é que esses prólogos obtiveram mais sucesso que as edições de luxo de sua Obra Completa, preparadas por uma editora de Nova York, e nas quais o próprio autor se envolveu, trabalhando novamente em seus romances prontos, mudando detalhes, tirando e acrescentando trechos inteiros, etc., pois James queria que com esses livros de luxo suas obras atingissem o sucesso que sozinhas não tiveram devido a sua complexidade (o que, é preciso dizer infelizmente também não aconteceu com as edições de luxo). Mas o valor de seus prólogos para a teoria literária é inimaginável.

James foi o primeiro autor a teorizar como deveria ser a estrutura narrativa. Foi de seu trabalho que assuntos como o foco narrativo e o fluxo de pensamento surgiram. Para ele, o romance não é a vida, a arte não é a vida, mas trata de um olhar sobre ele. Esse olhar deve ser aberto para várias direções, mas não pode deixar espaço para o arbitrário, tudo precisa ser sistematizado e trabalhado com o rigor da arte, e por fim, deste modo, alcançar a ilusão da vida mais intensa possível, o que significa muitas vezes fazer a ficção soar mais real que a própria realidade.
Para tanto, o autor de um romance, deve escolher entre dois métodos narrativos: o pictórico e o dramático. Este segundo trata de uma narrativa onde os fatos expostos são o elemento mais importante, e abre espaço para que o autor intervenha, mas sempre tendo a ação no centro. Deste modo, o leitor sente-se como em um teatro a contemplar o palco. Já o primeiro método, o adotado por James em suas grandes obras, é aquele marcado pelo distanciamento do narrador de modo a este quase deixar de existir, permitindo que os personagens façam a história se desenrolar por si só, sem a necessidade de uma força externa que lhes conduza. Assim, o leitor teria a impressão de estar dentro da obra, não em um palco. Foi este segundo método que abriu as possibilidades para o fluxo de pensamento, a forma narrativa pela qual James é um  imortal na literatura. Naturalmente, ela também permite que o autor faça ouvir sua voz, mas essa estará em assonância com o a do personagem.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Impávido Polifemo, vinho e vara.


Seja bolacha ou biscoito
O Brasil todo se uniu afoito,
Interrompendo comércio, trânsito e coito
Em brado retumbante e hinos bravos
Contra o aumento dos vinte centavos
Deixando pra trás pre-pa-ras e quadrados de oito

A mídia ficar contra? Foi o normal.
Ser chamado de vagabundo pela TV e o jornal
E pela chefia do Jabor e Bial
O preocupante do curso
Foi quando mudaram de discurso
Então tudo começou a cheirar mal

(não é cínico rimar final com carnaval?)

E gritaram falando que o Brasil mostrou a cara
Sendo que só máscaras, sem rostos, nem ideias, nada pára
Discurso vazio de outras épocas se compara
Tudo mudou de noite pro dia
E o que precisamos pra viver é ideologia
E diga não ao ufanismo que se mascara

Vem pra rua, somos a maioria
Temos poder até pra agir com tirania
É o que acontece com antipartidários e cega euforia
Caos reinando de maneira pavorosa
Força sem direção é perigosa
O gigante acordou e pisa em toda minoria

Sair pra rua, todo mundo sai
Mesmo sem saber porque se vai
Mas pelo menos sabemos, agora que a ficha cai
Que podemos erguer o braço por outro motivo
Que não seja atrás de torre de Claro, Tim ou Vivo

Ou em busca de um melhor sinal de wi-fi.


Marcela de Oliveira