quarta-feira, 31 de julho de 2013

Livros para se ler em um dia



Essa é uma teg que é (foi) muito popular nos canais literários do youtube e nos blogs sobre livros. Mas, como O Correio das Letras só nasceu agora viemos resgatar essa ideia (com um pouquinho de atraso, rs). Mas, acho ela bem pertinente, até porque, em plena geração 150 caracteres, o tempo para a leitura é tão fluido e curto que, a menos que o livro seja muito bom, dificilmente um leitor médio ficaria grudado em 800 páginas. (Ainda bem que existem os santos George R. R. Marin e o Stephen King, com seus livros quilométricos para dar uma equilibrada no mercado editorial de hoje em dia).
É bem verdade que é uma tendência da literatura contemporânea ser mais enxuta, e essa brevidade bem uma questão estética, que tudo tem haver com nosso tempo, o que faz com que as obras se enxuguem cada vez mais, ainda assim, essa “objetividade” toda não anula o mais importante de um livro: seu poder sobre o leitor.
As novas técnicas narrativas contam a história muitas vezes até pelo que deixam de contar, e sem os pensamentos prontos e os sentidos mastigados que antes enchiam os livros a boa literatura tem se condensado cada vez mais em pequenas obras.

O que se segue é uma pequena lista de sugestões com obras pequenas na forma, mas gigantes no conteúdo! (sim, eu sei, isso horrível), para quem tem pouco tempo, ou para quem apenas quer ter uma leitura mais rápida. Procuramos variar um pouco os assuntos, países de origem, época, etc. Literatura de um dia para todos os gostos:

01- A revolução dos bichos – George Orwell
Verdadeiro clássico moderno, concebido por um dos mais influentes escritores do século 20, "A Revolução dos Bichos" é uma fábula sobre o poder. Narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a revolução degenera numa tirania ainda mais opressiva que a dos humanos Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em 1945 depois de ter sido rejeitada por várias editoras, essa pequena narrativa causou desconforto ao satirizar ferozmente a ditadura stalinista numa época em que os soviéticos ainda eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo nazifascista. De fato, são claras as referências: o despótico Napoleão seria Stálin, o banido Bola-de-Neve seria Trotsky, e os eventos políticos - expurgos, instituição de um estado policial, deturpação tendenciosa da História - mimetizam os que estavam em curso na União Soviética. Com o acirramento da Guerra Fria, as mesmas razões que causaram constrangimento na época de sua publicação levaram A revolução dos bichos a ser amplamente usada pelo Ocidente nas décadas seguintes como arma ideológica contra o comunismo. O próprio Orwell, adepto do socialismo e inimigo de qualquer forma de manipulação política, sentiu-se incomodado com a utilização de sua fábula como panfleto. 




02- A metamorfose – Franz Kafka
A Metamorfose é a mais célebre novela de Franz Kafka e uma das mais importantes de toda a história da literatura. O texto coloca o leitor diante de um caixeiro-viajante - o famoso Gregor Samsa - transformado em inseto monstruoso. A partir daí, a história é narrada com um realismo inesperado que associa o inverossímil e o senso de humor ao que é trágico, grotesco e cruel na condição humana - tudo no estilo transparente e perfeito desse mestre inconfundível da ficção universal. 







03- Secreções, excreções e desatinos – Rubem Fonseca
Rubem Fonseca apresenta um conjunto de contos em que a fisiologia do corpo humano se associa a desatinos da alma. São ao todo catorze contos. As personagens e/ou situações desta coletânea podem ser consideradas fora do comum. Entretanto, o tom dos narradores (quase sempre os protagonistas) é calmo, sereno, desapaixonado. Por mais estranhas que pareçam, as histórias são contadas como se não houvesse nelas nada de excepcional.





04- A Morte em Veneza – Thomas Mann
Publicado em 1912, A Morte em Veneza conta a estória do escritor alemão Gustav von Aschenbach, que vai passar férias em Veneza. Lá, apaixona-se platonicamente pelo jovem polonês Tadzio, de 14 anos, e passa os dias a admirá-lo. O livro praticamente traz considerações de Aschenbach sobre as dicotômicas beleza natural do jovem e a arte da escrita tão arduamente trabalhada por ele. Ou sobre juventude e velhice, sabedoria e ignorância, saúde e doença.




05- A Morte de Ivan Ilitch – Liev Tolstoi
Em agosto de 1883, duas semanas antes de falecer, o escritor russo Ivan Turguêniev escreveu a Tolstói: "Faz muito tempo que não lhe escrevo porque tenho estado e estou, literalmente, em meu leito de morte. Na realidade, escrevo apenas para lhe dizer que me sinto muito feliz por ter sido seu contemporâneo, e também para expressar-lhe minha última e mais sincera súplica. Meu amigo, volte para a literatura!". O pedido de Turguêniev alude ao fato de que Tolstói havia então abandonado a arte e renegado toda sua obra pregressa para se dedicar à vida espiritual. Embora não se possa dizer com certeza em que medida as palavras de Turguêniev repercutiram em Tolstói, é certo que A morte de Ivan Ilitch, publicada em 1886, foi a primeira obra literária que ele escreveu após seu retorno às letras mdash; e que se trata de um dos textos mais impressionantes de todos os tempos. Considerada por Nabokov uma das obras máximas da literatura russa mdash; e por muitos uma das mais perfeitas novelas já escritas mdash;, A morte de Ivan Ilitch ganha agora nova edição em língua portuguesa, com tradução e posfácio de Boris Schnaiderman, e, em apêndice, texto de Paulo Rónai sobre o autor e sua obra.


06- Os espiões – Luis Fernando Veríssimo
Luis Fernando Verissimo constrói, neste livro, uma alegoria híbrida de mitologia, humor e mistério. Ainda se curando da ressaca do final de semana, na manhã de uma terça-feira, o funcionário de uma pequena editora recebe um envelope branco, endereçado com letras de mãos trêmulas. Dentro, as primeiras páginas de um livro de confissões escrito por uma certa Ariadne, que promete contar sua história com um amante secreto e depois se suicidar. Atormentado por sonhos românticos, esse boêmio frustrado com seu casamento, e infeliz no trabalho, decide tomar uma atitude - descobrir quem é Ariadne e, se possível, salvá-la da morte anunciada. Na mitologia grega, ela ajuda Teseu a sair do labirinto. No entanto, o autor cria uma Ariadne ao contrário, que vai enfeitiçando o protagonista e seus amigos de bar, os espiões deste livro.



07- Invenção e memória – Lygia Fagundes Telles
Guardar momentos na caixa de sonha, e depois entreabri-la com as mãos do imaginário e da fantasia para mostrar o seu conteúdo, guardado com carinho, ao leitor. A descoberta é só prazer. Lygia ama tanto o sonho como a criação. São quinze histórias onde flashes da infância e da juventude ganham cores e sabores no processo de criação. A menina que descobre os mistérios da solidão em "Que se chama solidão" ou da morte - tema tão recorrente na obra da autora -, em "Suícidio na granja". Um amargo e profundo questionamento da maturidade do envelhecimento em "Se és capaz"; deliciosas fantasias adolecentes como "Dança com o anjo" e "Cinema Gato Preto". Invenção e memória, na evocação de cenas e estados de alma da infância e da adolescência, atinge um dos mais belos efeitos da obra da autora. Os desfechos surpreendentes provocam o imaginário do leitor e nos convidam a completar, a colocar um ponto final.



08- O estrangeiro – Albert Camus
"O Estrangeiro", tão popular porque, à parte ser a seca narrativa das desventuras de Meursault, condenado à morte por matar um árabe a troco de nada, é também a narrativa das desventuras de um homem do século XX. Uma autobiografia de todo mundo. Mersault leva uma vida banal; recebe, indiferentemente, a notícia da morte da mãe; comete o crime; é preso; julgado; tudo gratuito, sem sentido, apenas mais um homem arrastado pela correnteza da vida e da História.






09- Muitas vozes – Ferreira Gullar
Em “Muitas Vozes” (1999), Ferreira Gullar reúne a produção dos últimos doze anos e demonstra que recorta as cenas do cotidiano com reflexões agudas, traçando imagens ao mesmo tempo delicadas e provocadoras. Segundo o próprio autor, a fúria presente em todos os seus livros anteriores, neste está amainada. É um livro mais reflexivo, em que a temática da morte está muito presente, não como medo mas como reflexão. Ouve-se o eco de toda experiência do poeta acumulada ao longo de quase sete décadas. Foi preciso muita coisa passar: o exílio, depois a morte rondar perto, familiar e sem ênfase; os mortos restarem no abandono do chão impenetrável; o silêncio crescer dos ausentes ao cosmos.



10- A humilhação – Philip Roth
Aos 65 anos, Simon Axler, um renomado ator de teatro, sobe no palco e constata que não sabe mais atuar. De uma hora para outra toda sua autoconfiança se esvai, e ele perde a capacidade de interpretar os personagens que, ao longo de uma extensa carreira artística, haviam lhe trazido renome. A partir daí, sua vida entra numa espiral de perdas: a mulher vai embora, o público o abandona e seu agente não consegue convencê-lo a retomar o trabalho. Obcecado com a ideia do suicídio, Simon se interna numa clínica psiquiátrica.
No meio desse relato terrível de uma autoanulação inexplicável e apavorante, irrompe um enredo em sentido contrário. Simon se envolve numa relação passional com uma mulher mais jovem, homossexual, filha de um casal de atores que ele conheceu na juventude. Nasce daí um desejo erótico avassalador, um consolo para uma vida de privação, mas tão arriscado e aberrante que aponta não para o conforto e a gratificação, e sim para um desenlace ainda mais negro e chocante. 


11- Liquidação – Imre Kertész
B., um escritor húngaro, suicida-se e deixa como legado uma peça de teatro intitulada Liquidação. Um dos personagens do manuscrito é o editor de B., Amargo, o protagonista deste desconcertante romance do ganhador do Premio Nobel de Literatura de 2002, Irme Kerstész. É Amargo que, analisando a peça e investigando as causas mais profundas de um gesto tão radical.
Não espere aqui as convenções e peripécias do gênero policial. A investigação de Amargo esta menos preocupada com os fatos - com a possível existência de outro manuscrito obscuro - do que com suas ressonâncias éticas e filosóficas. B. é uma das poucas crianças nascidas em Auschwitz, e o suicídio remete á condição individual possível em meio à armadilha histórica: assim como a Hungria e o próprio Kerstesz, o personagem passou a maior parte do século XX dividindo entre o totalitarismo de Hitler e o de Stalin.




12- Herdando uma biblioteca – Miguel Sanches Neto
Coleção de crônicas onde Miguel Sanches Neto conversa com o leitor sobre seu processo de formação de leitura, bem como a vida e as desventuras de um crítico literário.









13- Pulp – Charles Bukovwski
A saga de Nick Belane poderia até ser igual a de tantos outros detetives de se gunda categoria que perambulam pelas largas ruas de Los Angeles. Mas aqui, mulheres inacreditáveis cruzam pernas compridas e falam aos sussurros, principalmente uma que atende pelo nome de Dona Morte. Como nos velhos livros policiais de papel vagabundo, subliteratura pura, a quem Charles Bukowski dedica solenemente Pulp.



                             
14- O velho e o mar - Ernest Hemingwa
Essa é a história de um homem que convive com a solidão do alto-mar, com seus sonhos e pensamentos, sua luta pela sobrevivência e sua inabalável confiança na vida. Esse é o fio do enredo - fio tenso como o que prende na ponta da linha o grande peixe que acaba de ser pescado - com o qual Hemingway arma uma das mais belas obras da literatura contemporânea. Há 84 dias que Santiago, um velho pescador, não apanhava um único peixe. Por isso já diziam se tratar de um salao, ou seja, um azarento da pior espécie. Mas Santiago possui têmpera de aço, acredita em si mesmo, e parte sozinho para o mar alto, munido da certeza de que, desta vez, será bem- sucedido no seu trabalho.
                                



(Fontes das resenhas: www.skoob.com.br)

sábado, 27 de julho de 2013

A arte de possuir "bibliotecas"



        Herdar uma biblioteca, foi justamente essa ideia que me chamou a atenção quando decidi ler esse livro. Provavelmente porque eu, assim como muitos leitores, não tenho exatamente condições de comprar todos os livros que gostaria de ter, logo, "herdar" esses livros parecem uma boa saída. Enfim, essa ideia e conhecimento de que Miguel Sanches Neto é paranaense foram os motivos que me fizeram encarar esse livro (além do fato dele ter-me sido indicado por minha chefe - mas foi um pequeno detalhe esse... claaaaaaaaarooooo!...), por mais que eu não aprecie esse gênero em particular, que é a crônica (e ainda me julgo um leitor brasileiro!).
       Mas falemos de uma vez sobre a obra.
       Em primeiro lugar, é um livro rápido - afinal é um livro de crônicas - com uma linguagem que fluí e uma formatação que colabora para a rápida leitura da obra. Em duas horas é possível lê-lo por completo. Essa fluidez já seria bastante atraente para um leitor não fã de crônicas como eu, mas outro fator pesou bastante para ler rápido o livro: é impossível não se identificar com ele se você também for um leitor compulsivo!
     Sanches Neto narra - de forma ficcional ou não, não tenho ideia - a trajetória de sua formação como leitor, escritor, crítico e, logo, como dono de livros. Através das tantas crônicas que compõem o livro, às vezes até num tom de ensaio, ele vai ponderando e desdobrando os enlevos dessa arte secular de adquirir livros - afinal trata-se sim de uma arte! Indo desde suas jornadas pelos sebos da capital do estado, até, e é onde me identifico, a espera pelos livros que chegam pelo correio. Foi um alívio saber que a ansiedade por receber o livro e a excitação quando ele finalmente está em mãos são sentimentos universais. E também conta-nos do seus primeiros contatos com os livros, através da biblioteca pública, assim como muitos leitores que não têm condições de adquirir o livro, e, assim como muitos leitores, foram esses os primeiros livros que ele possuiu, em um confessado crime de amor ao roubar esses livros.
Miguel Sanches Neto
      O livro também abordar a visão de outros escritores, como Borges, Bloom e Schopenhauer sobre a leitura e sobre os livros. A mistificação do objeto livro e do objetivo da leitura é sem dúvidas a discussão mais interessante da obra: afinal, ler liberta ou aprisiona? O autor tende mais para a segunda ideia, porque uma vez que você começa a ler dificilmente você se sentirá livre para não ler novamente: do contato com o livro também nasce o amor. Mas talvez, ele propõe. esteja no fato de que o conhecimento adquirido na leitura não torna a realidade algo fácil de aceitar, ao contrário, a consciência crítica é a que mais se inquieta e mais se choca com a realidade, motivo pelo qual o livro é tudo, menos a coisinha fofa que foi idealizada e mistificada por algum positivismo livristico vigente na cultura pop. E quando a isso, o autor não discute, mas eu digo, ler está na moda! Todos leem hoje em dia. A grande questão agora é o que se lê. Sendo esse ponto também abordado por ele, todavia, acho melhor não revelar todas as minucias do livro, certo?
        Em suma é um livro divertido, o tempo passa e você não vê, e, o mais legal, não deixa de se identificar com o autor. E, acima de tudo, é um livro sobre a arte de ler e sobre livros, sobre a magia que cada página leva sim o leitor que, se souber usar o livro, terá uma experiência única na vida.
       Fora isso, preciso admitir, que ainda não consigo gostar da crônica, ou talvez seja só alguns (grande maioria) dos autores brasileiros, que usam o mesmo tom de lírica, que, para não falar nos enormes clichês e grandes cafonices, acho bobo. Mas esse sou eu, quem discordar se manifeste (com educação) por favor.


"Enquanto não passar pelos olhos do leitor, que o incorporará, na maioria das vezes inconscientemente, ao seu universo de referências, o livro não chega a ser propriamente livro. É apenas papel impresso. Um objeto que só ocupa espaço no mundo físico, uma ferramenta desprovida de sua principal função, a de interferir na constituição do humano."
(SANCHES NETO, 2004: 80)

domingo, 21 de julho de 2013

Enquanto Godot não chega

Esperando Godot. Cosac Naify, 2009.

Teatro não é minha área, mas, como todo bom curioso, sempre tento ler o máximo de coisas novas que consigo. O nome de Samuel Beckett já figurava na lista de “autores necessários conhecer” já fazia um tempo. Lendo sobre aquele que teria sido seu período mais criativo, logo após a Segunda Guerra Mundial, os anos de 1950, me deparei constantemente com o nome Esperando Godot, escrita em 1952 em um curto período de tempo – segundo o autor ele levou apenas quatro meses para compô-la – e levada aos palcos em 1953 (não sem dificuldade, porque a peça era diferente de tudo o que se via na época e ganhou a rejeição de grandes diretores do teatro francês). Finalmente sob a direção do grande diretor francês Roger Blin, a peça ganhou os palcos e se afirmou como um marco na história da arte. Um divisor de águas que mudaria e influenciaria a produção artísticas das décadas seguintes.
Minha impressão após a leitura (que é rápida, li toda a peça em poucas horas), acredito, tenha sido muito parecida com a dos primeiros espectadores. Não é sem algum estranhamento que ocorre o primeiro contato com o Teatro do Absurdo. As expressões do grotesco aliados ao cômico para expressar tragicidade, deixam no espectador (leitor) um ar surreal, de choque, que te põe imediatamente a questionar o sentido da peça. Isso e as enormes doses de nonsense embutidas nos diálogos desconexos e construções dramáticas absurdas (hello, teatro do absurdo.. dã!), fazem você pensar que está deixando algo escapar, compreendendo apenas em termos a mensagem (o que é justamente a ideia). Essa compreensão pode vir de uma interpretação tão aberta, tão subjetiva, que nas décadas que seguiram a estreia da peça – encenada em vários países e línguas – muitas “interpretações” surgiram dela. Algumas meramente niilistas, outras com verdadeiros encargos de semiótica, que atribuem à busca pela religiosidade e a figura de Deus, etc. Não é atoa que a obra impactou e mantem-se viva até hoje.
Mas a ideia do ganhador do Nobel de Literatura de 1969 é tão profunda quanto opaca, ao mesmo tempo que abrange tantos aspectos do espírito humano e da humanidade que talvez jamais se esgote.
Samuel Beckett
Tudo na peça de Samuel Beckett invoca o vazio: o vazio da vida, do espaço, do tempo, do sentido. Os dois vagabundos chaplinianos do enredo, são os heróis de uma história onde nada acontece. Vladmir e Estragon esperam, ao final da tarde, sob uma árvore, em um cenário quase desértico (ou simplesmente indefinível), de um dia inominável, a chegada de alguém que só é possível ao espectador (leitor) imaginar quem venha a ser por sua falta de informações concretas, e este é, claro, o personagem que dá titulo à obra e que, pasme!, sequer aparece em cena: Godot. Entretanto, a presença de Godot é a única coisa absoluta no palco (mesmo com sua ausência! Adoro paradoxos!), porque é ela quem ata a ação (que não existe) de todo enredo. É da espera por Godot, de sua lealdade cega, que os dois vagabundos se veem atirados num estado de incerteza e letargia que jamais termina.
Talvez suja a pergunta: “qual o sentido de ler algo assim?” (É importante dizer que Beckett, ao escrever a peça, pensou não apenas no sentido teatral da construção, mas também no literário, o próprio diretor da peça ressaltou isso em uma entrevista, ao dizer que muito que consta das marcações do autor no roteiro foram idealizados para leitores, não para atores em cena). E a resposta é simples: a obra trata de um estado incondicional e indelével a todos os homens da terra! Não é existencialista pelo absurdo, nem fatalista pelo niilismo, nem qualquer outra coisa, exceto o inevitável da condição humana: esperar por algo. Estamos todos à espera de algo que talvez venha: o futuro, o amor, a felicidade. E é incerto e solitário, pois mesmo acompanhados estamos sozinhos em nossa essência (razão pela qual tanto se questiona o sentido da vida). A obra escrita no pós-guerra, possuí um encargo de melancolia acentuado, um pessimismo que, sem o elemento cômico da peça, seria insuportável. É a história da busca, do absurdo de supor preencher esse vazio. E se é possível? Beckett não se atreve a responder essa questão. Permanecem então Gogo e Didi (como os dois vagabundos se dirigem) a esperar eternamente em suspense por Godot.

Em suma, a peça é cíclica: dois atos, dois pares de personagem, cada ato termina e começa da mesma forma. Apresentam os traços característicos que tornaram Beckett um dos escritores mais importantes do Século XX: a imobilidade, o questionamento da existência. Em suma, uma obra prima que, após muita meditação e pesquisa, quando compreendida torna-se parte do leitor, que com certeza, passará a enxergar a influência beckettiana na arte moderna e contemporânea e, mais que isso, não perderá jamais a visão de Vladimir e Estragon sob a árvore, ainda esperando Godot.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Sexo, amor e outras drogas em O complexo de Portnoy



Divertido, original, pervertido, e atual! Esses são os adjetivos que melhor descrevem a obra-prima de Philip Roth, escrita cinco décadas atrás. Com uma combinação de humor negro e erotismo, Roth cria a textura complexa da vida de um judeu de meia idade em crise existencial. É impossível não rir e se chocar, e, por mais assustador que seja, se identificar com algumas situações que apresenta ao leitor.
Considerado o maior escritor americano vivo, Philip Roth (que já se aposentou como escritor, WTF?!) trabalha com a fragmentação do conceito de ser judeu. Seus personagens enfrentam uma série de conflitos entre a ortodoxia clássica do judaísmo e o mundo em que estão inseridos. (É importante dizer que mesmo não sendo judeu, esse conflito acaba falando a quase todas as pessoas do mundo de alguma forma. E, isso é fundamental!, são escritores americanos como o próprio Roth que mais influenciaram nossos autores contemporâneos, aqui no Brasil). E é justamente por esse caminho que O complexo de Portnoy (Cia das Letras, 2012) leva o leitor.
Quase que um romance de formação, a trama narra as desventuras do pequeno Alexander Portnoy, desde sua infância, até muito próximo do tempo presente, onde ele está narrando (isso mesmo, o próprio Alex é o narrador) para seu terapeuta esses fatos. (Esse é o diferencial da trama, ela é contada como se fosse o personagem se dirigindo em uma conversa diretamente à alguém, que, uma vez que o terapeuta só manifesta sua voz na última frase do livro, é diretamente ao leitor que ele fala).
Philip Roth
Tendo crescido entre o peso da marcação de uma mãe controladora e dramática, em oposição ao vazio de um pai sem atitude e não raramente omisso, Portnoy cresceu como que em um conflito existencial, onde os papeis de formação de sua personalidade estiveram trocados entre os pais: o pai era a mãe e a mãe o pai, como ele mesmo lamenta ao seu psicanalista. Sua mãe (Sophie Portnoy) por vezes, aos olhos do narrador, é uma psicopata crônica, capaz de ameaçar o filho de cinco anos durante o jantar com uma faca, pelo simples fato dele se recusar a comer. Enquanto o pai, um homenzarrão que jamais terá uma vitória pessoal na vida, chora como uma mocinha virgem ao som da voz irritada do filho. E entre o sentimento de estar sendo sufocado pela mãe e de frustração pela impotência do pai, Portnoy encontra desde cedo no sexo (ou na masturbação) a fuga, o escape, “o meio de manter sua sanidade”.
E deste ponto começam as perversões do narrador-anti-herói-protagonista. Que nos conta desde suas experiências bizarras com masturbação (que envolve fígados crus e maçãs violentadas), até suas extravagâncias com suas namoradas (a que mais aparece no romance atende pelo apelido carinhoso de Macaca).

Entretanto, mais que um romance sobre as agruras de um judeu em crise, o romance é uma leitura (da perspectiva judia, é claro) dos traumas e anseios do homem no Século XX (e do Século XXI também!). À luz de uma paródia sarcástica e bastante ácida da psicanálise, Roth refaz o Mal-estar na civilização num tom divertido e contundente, que vai arrebatar o leitor. Escrito em plena era da liberação sexual, a atemporalidade do livro é assustadora, provando que cinco décadas depois, muitos dos “tabus” sociais continuam em pleno vigor. E é uma obra que, antes de tudo, trata da fragilidade dos laços humanos, na busca entre realização e plenitude existencial.



Outras Capas:



domingo, 14 de julho de 2013

O humor negro em Triste fim de Policarpo Quaresma

Eae, pessoal, tudo bem? O post a seguir é de um clássico da nossa literatura. Ficou um pouco grande, mas porque foi feito pensando em vestibulares, aulas de Literatura Brasileira na faculdade, etc. É uma análise, breve, não uma resenha. Então tem muuuuuuuito spoiler. Leia com cuidado se não leu, mas se vai cair em uma prova ou seminário para você, esperamos que ajude! 
    Quando Lima Barreto convida o leitor ao caminho de infortúnios do major Policarpo Quaresma, está abrindo a reticências para uma realidade de nosso país que, ainda que ambientada na ficção, de uma trama em um Brasil pós-monarquia, persiste, em uma igualdade muitas vezes revoltante, até hoje: o desleixo com os valores nacionais, o descaso com os problemas éticos e a desvalorização de nossa cultura, suplementada por uma alienação em massa. Todavia, a sátira neo-realista do autor narra o tortuoso caminho de um herói virtuoso que é, provavelmente, o único realmente engajado pelos interesses nacionais legítimos, sendo portanto, este, castigado unicamente por seus ideais nobres, pintando um cenário que, não fosse pura ironia, canta um sarcasmo corrosivo. E será, por todas as 182 páginas de seu romance mais popular, que iremos ver, indiretamente, quase que o próprio Lima Barreto sofrendo à espreita de cada página com sua personagem. Como se ao mesmo tempo em que constrói sua crítica ao Brasil, visse nas dores de Quaresma suas próprias dores e fossem suas ambições maiores para o país, as ambições do próprio autor, sendo este casamento autor-personagem, provavelmente o elemento que fomenta a química poderosa do livro. Mas, seguindo os desenlaces da trama que divide-se em três partes, cada qual composta por cinco capítulos, iremos ver o altivo major Policarpo Quaresma em sua empreitada que culminará em desilusão e sua eventual morte. Em um primeiro momento, encontramos um homem respeitável e reservado. Cujos hábitos de uma meticulosa precisão são conhecidos por todos os vizinhos. Sendo este homem, um brasileiro apaixonado e que condensa esse amor em todas as nuances de sua vida. Basta a discrição de sua biblioteca, floreada com um acervo de poetas e escritores totalmente nossos, que cantavam as glórias de nosso país, ou uma rápida olhada por seu jardim, ornamentado apenas com plantas nacionais. Mas o ato mais significativo desse brasileiro está em seu desejo de aprender a tocar viola, o que não trata-se de um mero capricho, e sim de uma exaltação à cultura, através do gênero musical que julga tipicamente nosso: a modinha. E esse louvável patriota nem mesmo preocupasse com o que dirão seus vizinhos, uma vez que são os violeiros tidos por marginais e discriminados pela sociedade.
    O autor tenta fugir dessa visão com a sua personagem Ricardo Coração dos Outros, cujo amor pela cidade e pela música é quase tão vasto quando da personagem principal. Todavia, o que estes dois românticos não percebem é que suas fantasias são meras idealizações, completamente deslocadas dentro do plano das coisas reais. Assim, como o título da obra já nos adverte, terão de aprender da forma mais dura. E se a biblioteca de Quaresma já anunciava um retorno cultural ao que é legitimamente da terra, veremos que os ideais de Quaresma estendem-se para alem das paredes de sua casa, estendendo por objeto todo o país. Escreve então uma calorosa carta ao congresso acerca de sua visão quanto ao problema da língua: “... certo de que a língua portuguesa é emprestada (...) vem pedir que o congresso decrete o Tupi-Guarani , como língua oficial e nacional do povo brasileiro.” (Pág. 52) De tão grandiosa e minuciosa era sua ideologia, acreditava que somente um idioma sem parentesco alem mar pode-se ser o idioma do Brasil. O desfecho de sua campanha, todavia, não trouxe-lhe prazer algum, ao contrário, concedeu-lhe o amargo sabor da humilhação pública em todos jornais da cidade. Fato este que explique porque razão fora parar nosso herói em um manicômio. É também essa outra peculiaridade entre autor e personagem, já que ambos foram internados em sanatórios, e o pai do próprio Lima Barreto o fora também, como uma terrível predileção do que sucederia ao filho. E sendo toda obra filha de seu autor, há de se entender o acontecido com Quaresma. A humilhação e a loucura ainda não são, todavia, castigo o bastante para esse Dom Quixote brasileiro, pois, enquanto o personagem de Cervantes buscava dragões e gigantes, Quaresma enfrentava um inimigo muito mais maligno: a módica cultura do jeitinho brasileiro de cuidar do próprio umbigo.
    Adentrando agora a segunda parte do livro, encontramos um Quaresma a caminho de seu Sossego, literalmente, pois, por sugestão da afilhada, decide mudar-se para o interior, comprando um sitio onde empregará todos os seus esforços para provar a supremacia do Brasil até no solo, mostrando que tudo o que é cultivado em nossa terra torna-se maior, mais saboroso, que em qualquer outro lugar do mundo. É também nesse sitio que ele se vê frente a outra batalha escabrosa: o combate as formigas. Mas, tanto seus sonhos de agricultor, quanto sua peripécia contra as saúvas, são interrompidos pela notícia de revoltas pelo país. Outra vez o espírito dom quixotesco da personagem leva-o de encontro ao mundo lúdico que habita, uma vez que acredita, Quaresma, que uma nação ideal deva ser fomentada na submissão ao líder, tal qual ordena a honra de um cavaleiro, e assim une-se ao exército, para combater, em nome do presidente Floriano Peixoto, os revoltos. Controlada a insurreição, muitos conseguem tirar proveito de cargos elevados no ministério, tal qual era a real intenção destes ao unirem-se ao exército. Quaresma, todavia, é mandado para uma prisão, onde trabalha como carcereiro, por mais que houvesse sido ele o único com intenções legítimas a lutar. Desempenha seu cargo de maneira exemplar, como era de se esperar. E como também se havia de esperar, não fora sua consciência desligada de seus ideias – infelizmente para ele. Assim, ao deparar-se certo dia com um juiz que distribuía as sentenças aos prisioneiros aleatoriamente, sem um julgamento adequado e com punições por vezes exageradas e injustas, escreve uma carta ao presidente, explanando toda sua indignação frente ao fato e pedindo medidas. Seu pedido é aceito e uma medida é tomada: é considerado Quaresma um traidor, atirado à cadeia e sentenciado à morte. Nesse ponto, o triste fim da personagem se dá em dois momentos: no primeiro, o herói patriota, o homem motivado pelas mais elevadas intenções e guiado por um apurado senso ético, é considerado pelo país que tanto amava e defendia um traidor, sendo punido da forma mais severa cabível por seu amor. Não trata-se apenas de uma ingratidão, mas uma cusparada na cara de Quaresma por parte de seu Brasil. 
    O homem que tanto defendera-o, é considerado inconveniente por este, ao mesmo tempo em que personagens nem um pouco preocupados com a mortal conseguiam alcançar seus objetivos egoístas. Em segundo momento, encontramos o verdadeiro sadismo do autor, ao reservar a personagem um destino quiçá pior do que a morte: a realidade. Não basta matar o sonhador, é preciso fazer com que este acorde. E é então, quando Quaresma se vê preso, sozinho e traído, que o véu onírico que redigia os valores frente seus olhos se rasga, e antes de ser morto ele percebe que durante todo este tempo esteve perseguindo coisas impossíveis, sendo acometido de maquinações amargas que ruminam a desilusão. Talvez, nem se possa mais considerar a morte do herói uma sina triste, pois ao descobrir que o Brasil que tanto amava não existe, e que seus ideais não cabiam no mundo que lhe cercava, encontramos um personagem sem sua raison d'être, como se sua própria essência houvesse se extinguindo, o que da à morte não um aspecto trágico, mas de alívio. Não que nos seja surpresa esse desfecho, pois enquanto a personagem despedaçada do herói aguarda em sua cela pela execução, o autor já havia nos advertido desde o titulo sobre o Triste fim de Policarpo Quaresma. O próprio nome do protagonista fora escolhido sobre medida para seu destino, pois o nome Policarpo vem da junção de duas palavras gregas (poli e carpo) que significam literalmente: Muito Sofrimento. E o próprio sobrenome da personagem é uma alusão aos quarentas dias de penitencia católicos após o carnaval. 
    Lima Barreto não usou de ilusões para compor um Brasil do final do século XIX, período em que se passa a história. Ao contrário, captou e retratou nas desventuras de sua personagem uma falência do senso crítico nacional por parte de uma população alienada, de uma massa de políticos oportunistas e de modistas acoturizados que viam na cultura estrangeira mais valor que na cultura nacional. É com um homem diabólico que ele conduz a caricata personagem, em toda sua extravagância e exagero, denunciando pelo excesso um problema medido em todos os estrados sociais. Entretanto, ao mesmo tempo que faz a piada, não podemos deixar de sentir por parte de Lima Barreto uma intenção de denunciar com a caricatura o estado de letargia social que vivia (ou talvez ainda viva) a sociedade brasileira, chamando-os para a mudança. Dessa forma, a visão sonhadora e ingênua de Policarpo, tão em desacordo com o mundo real, talvez não deixe de ser o elemento que falta para se concretizar o sonho de um Brasil nobre. Pois talvez a maior piada feita pelo autor não esteja no escabroso final de Policarpo, mas na indiferença com que tratamos a realidade que ele denúncia, o que nos trás à um Triste Fim não de uma personagem tipo, mas de um país inteiro.