quinta-feira, 29 de maio de 2014

LITERATURA SEM FRONTEIRAS: TRAMAS FICCIONAIS CONTEMPORÂNEAS



Era uma vez, há muitos e muitos anos atrás, uma espécie que a ciência decidiu chamar de “Homo Sapiens” (a denominação vem do latim e significa “homem sábio”). Essa espécie, assim como nos relata o fabuloso Wikipédia, tem o cérebro extremamente desenvolvido com inúmeras capacidades como: raciocínio abstrato, a linguagem, a introspecção e resolução de problemas.
            Mas não é só isso...
            Essa espécie (cujo os valores ainda são questionáveis, mas tudo bem, não é essa a discussão de hoje) sempre possuiu uma necessidade advinda de uma sensibilidade de se fazer comunicar, interagir e........... FINGIR.
            Para uma tentativa de atingir essa satisfação o homem sempre recorreu ao Fictus (Ficção). Melhor esclarecendo, o “Homo Fictus” sempre existiu, o homem desde os primórdios se revestiu da habilidade de transfigurar a realidade em ficção, ou como preferem os mais utópicos, fantasia. (Só lembrando, sem um maior compromisso de esmiuçar o assunto, que a ficção por muitos anos possuiu também a função da ciência).
            Considerando que estamos falando de uma época absolutamente remota, levamos em consideração a inexistência da escrita (apesar de não descartarmos a hipótese de as imagens ser uma habilidade de escrita comunicacional). A forma de compartilhar as histórias ficcionais era feita, privilegiadamente, através da modalidade oral. Nesse caso, A MÍDIA ERA O PRÓPRIO HOMEM.
            Pecaríamos abundantemente se afirmássemos que a prática oral de contação de histórias não envolve um trabalho estético. Existe toda uma preocupação que vai desde a postura do contador à entonação de voz.   Mas a questão da contação de histórias já está, ao meu ver, muito bem resolvida e legitimada enquanto uma prática literária. A questão que pretendo esboçar nessa pequena discussão diz respeito às novas demandas comunicacionais, mais especificamente, as que apresentam em sua composição a presença da narrativa ficcional e propor, dessa forma, uma reflexão sobre uma visível afinidade dessas narrativas emergentes com a Literatura.
            Um primeiro, e mais difícil dos passos, seria estabelecer um conceito único, concreto, absoluto, autônomo e (blá, blá, blá) para a Literatura.  E isso, já adiantando, é tarefa impossível, ou no mínimo, falha. Até porque a literatura é um processo subjetivo que desrespeita paradigmas. Afirmar com toda autoridade que “Literatura é a arte da palavra” não me convence, pois não se especifica se essa palavra é impressa, digitalizada, desenhada ou falada. Alguém teria a coragem de rotular a Literatura como “A arte da palavra impressa”?
            Se assim for feito, vamos dizendo adeus em garantir que os contos de fadas são literatura, uma vez que se nasceram da tradição oral...
            Eu prefiro, ao invés disso, dizer que a Literatura é uma narrativa, essencialmente ficcional (construída a partir da linguagem verbal) capaz de transfigurar a realidade em ficção e provocar no receptor a maravilhosa “catarse” ao passo em que o permite uma aprendizagem (seja de uma cultura diferente, épocas distantes, valores pessoais, morais éticos e tal). Outro fator interessante é que a Literatura tem (não exclusivamente) a função de um registro de costumes (sociais, linguísticos, políticos, religioso e blá, blá, blá) pertinentes a uma determinada época.
            [Baseando nisso, faça uma reflexão silenciosa consigo mesmo tomando como objeto as narrativas contemporâneas.... ]
            Antes que eu me empolgue demais nesse assunto e comece a falar exclusivamente dos Best Sellers, me concentrarei no título dessa discussão. A Literatura do século XXI está sujeita às expectativas do leitor, ok. Mas além disso, está diretamente ligada a outras demandas artísticas, como por exemplo: cinema, telenovela, teatro e... Videogames.
            É muito comum, atualmente, entrarmos em uma livraria e encontrarmos um livro com a capa de um filme. É comum também abrirmos um site de portal e nos depararmos com a notícia de que o nosso livro predileto será adaptado para as telas. E tornou-se, igualmente comum, vermos um game exposto nas livrarias em adaptação impressa. Vivemos em uma cultura em que o game pode ir para o cinema e depois virar livro, ou então o filme vira game, ou o game vira livro e vice-versa (quase confuso não é ?! rsrsrs).
            Tudo isso faz parte de uma cultura, a qual o incrível Henry Jenkins chama de “Cultura da Convergência”. Lindíssimo termo...  
            Nas palavras de Jenkins (2009):
Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando. [...] No mundo da convergência das mídias, toda história importante é contada, toda marca é vendida e todo consumidor é cortejado por múltiplas plataformas de mídia. (JENKINS, 2009, p. 29)
            
Essa cultura é fruto de um novo dilúvio....
            Sim, podem pensar no dilúvio bíblico. Pierre Lévy, dedicou em seu “Cibercultura” um tópico introdutório denominado “Dilúvios”. Nesse tópico, ele nos remete ao dilúvio ocorrido na época de Noé e que representou o fim de uma era e o começo de uma nova. O novo dilúvio, ocorrido há pouco tempo atrás, foi um dilúvio informacional, tecnológico. Fomos banhados por um imenso oceano de informações, advindas com a internet, e isso representou o início de uma nova era informacional e tecnológica.
            Desse novo dilúvio, surgiram novas ilhas...
            É importante observarmos que esse novo dilúvio não representou a morte de uma era, mas uma modificação da mesma. Não é segredo que muitos temeram que os E-books eliminariam as obras impressas, que o cinema e a televisão fariam as bibliotecas e livrarias serem extintas. Mas, visivelmente, não é verdade. As livrarias continuam mais cheias do que nunca. As novas formas de arte estão convergindo e não eliminando as antigas.             Bem, concluo que vocês possam se sentir um pouquinho enganados pelo título desse texto (rsrs). A intenção foi alertar para o fato de que as novas mídias possuem traços da Literatura. Isso não quer dizer que deveríamos analisar os Videogames com o instrumental teórico da Literatura (isso seria colocar um bolo quadrado em uma forma redonda). Também não estou afirmando com todas as palavras que os Videogames são Literatura. Mas podemos sim, considerar os games como uma nova forma de narrativa ficcional.
            Cabe, portanto, a Literatura dar conta de formular um novo instrumental teórico capaz de atender as provocações da arte.
            Espero, no próximo texto, poder compartilhar informações mais específicas.

            Até a próxima...

- Mario Lousada
Mestrando em Teoria da Literatura UEM

Referências
CANCLINI, N.G. Leitores, espectadores e internautas. Tradução de Ana Goldberger. São Paulo: Iluminuras, 2008.
COMPAGNON, A. O demônio da teoria. Literatura e senso comum. Tradução Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
JENKINS, H. Cultura da convergência. Tradução de Susana Alexandria.
São Paulo: Aleph, 2009
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LÉVY, P. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo:
Editora 34, 1999.



A origem dos monstros – resenha de O Horror de Dunwich de H. P. Lovecraft


Todas as cidades são assombradas por histórias macabras: crimes horríveis, incesto, monstruosidades sobrenaturais que supostamente habitam o lugar; mas a cidade de Dunwich é aparentemente muito mais maligna que qualquer outro lugar da terra. Marcada pela tradição das famílias mais antigas de dormirem com membros da própria família, não raramente irmãos ou primos, a cidade é assombrada por tipos bastante bizarros. E o tipo mais sinistro é a família de Whateley. Os Whateley sempre estiveram envolvidos em todo tipo de comentários macabros: bruxaria, pacto com o diabo, experiências estranhas; e quando o casal tiveram um filho que pouco se parece com um humano, esses rumores começaram a ganhar força. A criança, Wilbur, macabra cresce de forma impossível: com menos de 10 anos aparenta três vezes essa idade. Seu corpo é hediondo, de formas estranhas, pouco natural. Sua voz é gutural, de uma maneira que não lembra em nada uma voz humana.
O monstro no Sótão
Acompanhando tudo isso outro fato estranho: o gado da família começa a desaparecer de forma inexplicável, e o patriarca da casa continua a reformar e ampliar a parte de cima da casa de um modo suspeito, e estranhos barulhos que escapam do sótão. Estranhos assassinatos começam a ocorrer na cidade. Primeiro animais, cachorros. Depois pessoas. E as primeiras vítimas são os pais do estranho Wilbur, o garotinho com cara de bode que cresce em uma velocidade absurda. E enquanto Wilbur se torna cada vez maior, ele procura pelo mundo livros estranho de magia negra e história apócrifa. E é essa obsessão o curador de uma biblioteca de uma importante universidade americana, o Dr. Armitage a desconfiar que existe algo errado com o rapaz, e um perigo eminente se aproxima. O que ele não imagina, é que trata-se de um perigo que pode destruir a humanidade, envolvendo coisas mais antigas que o homem, e seres mais medonhos que a mera imaginação.
Howard Phillips Lovecraft
É nesse universo de sombras, mistério, terror e demônios que H. P. Lovecraft leva o leitor nessa pequena obra prima que é O horror em Dunwich (Hedra, 2012). Pequena porque a história em si tem em torno de cinquenta páginas, mas o universo que Lovecraft criou é imenso, tão grande quanto a própria eternidade. E o poder de narração do autor norte americano é tão forte que ele arrebata o leitor de onde quer que este esteja e transporta até o sombrio e assustador interior dos Estados Unidos. Está é uma combinação de folclore, com mitos milenares, amarrados por uma prosa perfeita. Não existe enrolação, e o terror se dá pelos seus elementos mais clássicos: o desconhecido, as sombras, os silêncios, os sons estranhos, os acontecimentos inexplicados.

Esse foi meu primeiro contato com Lovecraft, mas o nome já era muito conhecido. O próprio Stephen King fala muito do autor, e o Lovecraft escreveu um dos primeiros ensaios sobre literatura fantástica e de terror. Cada página do livro me prendeu, e me fez querer ler mais coisas sobre o autor, que aparentemente escreveu mais obras curtas que longas. Em todo caso, nenhum fã de terror é fã de verdade sem ler um pouco de Lovecraft.