Para abrir as minhas resenhas sobre
clássicos, escolhi uma das histórias mais tocantes que já li, e talvez uma das
mais belas. É verdade que quando falamos em clássicos imaginamos obras que
estão separadas de nós por pelo menos um século de distância, mas não é preciso
recuar aos tempos do “vossemecê” para se encontrar um desses grandes livros. E
nem precisa o livro ser “grande” no sentido mais literal da palavra. Existem
clássicos que são “pequenos”, do tamanho que se pode ler em uma sentada, sendo
que alguns deles foram escritos ainda ali, no século XX. É o caso da obra Ratos e homens (L&PM, 2011), do
ganhador do Prêmio Nobel de 1962, o americano John Steinbeck.
Com uma variação de páginas que pode ir
de 90 até 140 páginas dependendo da diagramação e do tipo de edição, Ratos e homens se tornou desde sua
primeira publicação uma obra célebre. Além de tornar seu autor mais conhecido
no cenário literário, arrebanhando mais leitores, a obra conseguiu combinar com
maestria o estilo e a técnica de um escritor maduro, visível no narrador, com a
forma coloquial da fala, mais precisamente o estilo caipira, presente em cada
dialogo do romance, o que por si só foi uma grande prova de domínio estilístico.
Mas vamos parar de palavrório, e ir ao ponto:
O romance se passa durante a depressão econômica
dos anos 1920 nos EUA, e contam a história de dois amigos que, no mínimo, são
bastante incomuns. Trata-se pois de um homem baixo, com uma ligeira
familiaridade com os roedores que batizam o título, mas que é dotado de um cérebro
incomum para homens com seu nível de instrução, e seu companheiro, um gigante
assustador, mas que tem um coração e uma mente infantis. Juntos, esse exemplo
de contraste, formam uma amizade de toda incomum, enquanto viajam pelo país em
procura de emprego nas grandes fazendas do interior americano.
George – o cara
de rato – até levaria uma vida mais fácil devido a sua astucia, se não fosse
seu enorme amigo, Lennie, que por ter uma cérebro de criança e uma força de
Golias, está sempre causando confusão e metendo os dois em sérios problemas.
Mas, entre um tragicomédia e outra, eles conseguem juntar algum dinheiro, e vão
sonhando em realizar um sonho: serem donos de uma pequena propriedade rural,
uma terrinha simples, mas que seja deles. E no caminho desse sonhos, eles são
levados até uma fazenda da Califórnia, onde suas vidas e a vida de outros peões
dão início ao conflito do romance, pois muita dor separa os dois amigos de seu
sonho.
John Steinbeck |
Para começar, o filho do dono da fazenda
gosta de desafiar os grandões, enquanto sua jovem esposa adora cair nas graças
dos peões da fazenda, e logo Lennie se vê alvo de uma dupla bastante malévola.
Mas nesse meio tempo, os dois amigos conheceram outros homens como eles, como o
velho capaz, que já raquítico e fraco, está disposto a colocar todas as suas
economias no sonho dos amigos. E o cavalariço negro, que em plena era da
segregação racial americana encontra nos estranhos amigos um vislumbre para sua
felicidade.
Assim, essa história se torna, antes de
tudo, uma história sobre os sonhos humanos, e a brutalidade do mundo em que
vivemos, Uma história sobre como coisas frágeis e belas tendem a ser
despedaçadas por uma realidade apática e materialista, que reduz homens, como
insinua o título, à ratos. Mas é também uma história sobre a solidão humana.
Sobre como homens sem nenhuma esperança se encontram, e como buscamos, em
iguais, e em cada réstia longínqua de sonhos, nos tornar completos. E nesse
sentido, o livro é atemporal.
É uma das histórias mais tocantes que já
li, e embora não tenha me levado às lágrimas, não me manteve apático, longe
disso! Steinbeck é um ótimo criador de tipos, e em seus personagens encontramos
vida e vigor, sendo impossível não se apaixonar. E embora o destino não vá ser
clemente com a dupla de amigos, em sua tragédia nós, os leitores, encontramos
aquela que talvez seja a mais sublime catarse de todas: a lembrança de que não
é o mundo, mas os sonhos que fazem os homens.