sábado, 19 de abril de 2014

Uma odisseia para o Século XXI – resenha de 2001 – Uma odisseia no espaço



Tudo bem que existe um consenso hipócrita quase universal de que não se deve julgar um livro pela capa, mas como diria Oscar Wilde “apenas os tolos não julgam pela aparência”, e não tenho vergonha alguma em dizer que o que me levou a ler o clássico de ficção cientifica do britânico Arthur C. Clarke foi o incrível projeto gráfico da edição de 2013 da editora Aleph. Muito original e chamativa, o livro vem em uma caixinha que seria a capa original, mas o livro em si tem um detalhe fantástico: é todo preto (inclusive o corte das páginas). O preto já é minha cor favorita (resquícios de uma adolescência com forte inclinação para o gótico e para o heavy metal), e quando eu vi essa edição inteligentíssima copiando um monólito não consegui resistir, fui literalmente seduzido pelos olhos antes de pelo conteúdo. E apesar de toda carga de culpa que emana de uma decisão tão fútil como a minha, preciso dizer em minha defesa que de outra forma provavelmente nunca o teria lido, porque eu literalmente dormi quando assisti ao filme 2001: Uma odisseia espacial (fãs de Kubrick ficando indignados em três, dois, um...). Em todo caso o livro não só me reanimou para reassistir o filme, como também para ler mais ficção cientifica.
Arthur C. Clarke
E caso ainda exista um ser na terra (não vamos arriscar no universo, afinal, podemos não estar tão sozinhos assim e ETs devem ter mais o que fazer do que ficar acompanhando nossa cultura pop) que não conheça a história, 2001 – Uma odisseia espacial, é uma viagem por mais de três milhões de anos na história da humanidade (e do universo também). O livro começa junto dos primórdios da humanidade, lá na África do tempo dos homens macacos (antes dos homens da caverna propriamente dito). Esse ponto da narrativa é curioso, porque faz profundas reflexões, como, por exemplo, como funcionava a linguagem antes do invento da própria linguagem. Em todo caso, numa bela manhã, surge no meio de uma tribo homens macacos um estranho monólito todo negro que começa a executar estranhas experiências com esses homens macacos. O que os homens macacos não tinham como saber (nem qualquer pessoa que não tenha lido o livro ou visto o filme), é que foi exatamente esse monólito quem despertou as primeiras ondas cerebrais responsáveis por fazer evoluir o homem macaco, e com isso, começou a humanidade.
Milhões de anos depois, com a humanidade já estabelecida e desenvolvida, as viagens espaciais são coisas comuns, e um importante cientista americano, o Dr. Floyd, é designado para investigar um estranho acontecimento na lua (é curioso dizer que o livro foi escrito alguns anos antes da primeira viagem para a lua). Muito mistério está envolvo do que se passa na lua, mistério criado para impedir que os outros países que não o EUA (obviamente) descubram que finalmente foi descoberto a primeira prova de que existe vida inteligente fora da terra e, pasme!, trata-se de um monólito negro enterrado em uma cratera na lua!
Hall 9000
Depois a história salta para o terceiro e último foco narrativo, dois anos após os acontecimentos da lua, com uma expedição para Saturno, com o suposto objetivo de fazer as primeiras pesquisas tripuladas no planeta. Mas a verdade é que essa viagem possuí uma missão muito mais importante para humanidade. Qual? Se você não consegue adivinhar leia o livro. E é também nesse ponto que entram um dos personagens mais marcantes do filme (e do livro) e Kubrick, o super computador Hal 9000. Um tipo de inteligência artificial com alguma propensão para a psicopatia e que carrega as respostas por trás da missão, e com uma das falas mais emblemáticas do cinema, que até hoje faz fãs de ficção cientifica se arrepiarem: "Hello, Dave".
Desse ponto em diante a história deslancha, e o que temos é o máximo da capacidade criativa e cientifica humana (ao menos na época), com algumas teorias incríveis, outras absurdas e uma ridícula. Em todo caso, o livro de Clarke tem outro curioso detalhe: ele foi escrito a partir de um roteiro, ou, mais precisamente, ao mesmo tempo que um roteiro (o do filme homônimo dirigido por Kubrick), contrariando o processo onde livros são adaptados para roteiros. Em todo caso, fãs do filme fazem críticas ao livro por dar “detalhes demais” e “muitas explicações” sobre as coisas fantásticas e quase psicodélicas que o filme mostra sem respostas. Em todo caso, levando em consideração as limitações do filme na época de sua produção, ler o livro é como ter acesso ao único remake possível onde a história pode ser melhor que a original, afinal, uma nova versão do filme com certeza seria um fracasso. Assim, se você procura novas experiências com a leitura não perca tempo, e leia esse livro, principalmente pela correspondência que ela faz com outro clássico, a Odisseia de Homero, no sentido em que ela propõe uma viagem ao desconhecido, frente às coisas grandiosas do universo e aos segredos dos possíveis deuses que habitam o universo. Mais do que isso, 2001 é uma leitura para a nossa época, pois somente em pleno século XXI, com o atual conhecimento cientifico da humanidade, podemos ter uma dimensão exata do que foi preciso ou absurdo, perfeito ou desnecessário, na obra clássica de Clarke.




PS: Um último comentário: esse livro me fez sofrer muito ao me fazer perceber que eu nunca irei pisar “de verdade” em outro planeta. T.T

Edições antigas: (o primeiro livro 2001 fez tanto sucesso e o autor, Arthur C. Clarke ficou tão impressionado com os avanços científicos dos anos pós filme\livro, que ele decidiu começar uma série, da qual resultou mais quatro livros).



Cena do filme:


sexta-feira, 11 de abril de 2014

O tempo no paraíso – Resenha de Em Algum Lugar do Paraíso



Eu não sou fã de crônicas, quem me conhece sabe bem disso, mas, algumas vezes, consigo achar um ou outro livro que realmente me cativa. Nesse caso, nem deveria ser novidade, afinal em termos de crônicas Luis Fernando Verissimo é talvez o nome maior no cenário literário nacional, e ele está fazendo muito jus ao título na obra Em algum lugar do paraíso (Objetiva, 2011). Acho que nunca ri tanto em um livro como nesse, embora isso outra pessoa que leu não pareceu achar tanta graça como eu (o que me faz pensar no quanto é fantástica a subjetividade da literatura). O livro reúne 41 crônicas, sobre os mais diversos temas, indo desde reflexões sobre o tempo com adornos religiosos, até um desfecho inusitado para a peça absoluta de Beckett.
Em suma essas crônicas reúnem todo humor que marca propriamente o gênero crônica, e traz consigo toda crítica implícita do autor sobre a sociedade brasileira. Na maior parte das vezes, essa crítica é voltada para a classe média e classe média alta, naquilo que podemos chamar de “comédia de costumes”. É o caso da crônica onde um ex-rico preciso se controlar no mercado, apesar do desejo desesperado de comprar produtos importados. Mas, por outro lado, algumas crônicas são apenas humorísticas, e particularmente eu achei que são as melhores. É o caso da crônica do astronauta que é confinado sozinho pela NASA, e que com o passar do tempo começa a enlouquecer. É de morrer de rir. Na verdade, não lembro de ter gargalhado tanto em um livro antes.
Luis Fernando Veríssimo
Mas o ponto alto do livro é de longe a primeira crônica, que também é a crônica que dá nome à obra. Veríssimo faz uma divertida e profunda análise das dimensões do tempo, de como ele se configura para nós de modo que podemos reconhecer em um domingo algo que nos faz pensar em domingo, ou na segunda, etc. Ao mesmo tempo, ele propõe que as datas são inúteis, porque não servem verdadeiramente para marcar como as coordenadas, e em algum momento de nossas vidas estamos todos a orbitar na existência. Profundo não? Então, livro super recomendado!

Eu sou fã do escritor gaúcho mais pelos romances que pelas crônicas (por alguma razão, sempre achei a dita comédia de costumes algo fraco, que remete a um tipo de literatura superficial), mas, deixando de lado minhas opiniões sobre os rumos da literatura brasileira, eu nunca fiquei tão surpreso com um livro de crônicas e posso dizer que além de ler os romances e contos, com certeza lerei mais crônicas do Veríssimo. 

"As datas deveriam nos  fixar no tempo como as coor denadas geográficas nos fixam no espaço, mas a analogia não funciona. O tempo não tem pontos fixos, o tempo é uma sombra que dá a volta na Terra. Ou a Terra é que dá voltas na sombra. Nossa única certeza é que será sempre a mesma sombra — o que não é uma certeza, é um terror."

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O campo de centeio – Resenha de O Apanhador no Campo de Centeio



E para terminar nosso mês mais que especial de clássicos, escolhi um dos cem livros mais importantes do século XX, e que marcou gerações e gerações de leitores no mundo, com mais de 250 mil exemplares ainda vendidos todos os anos, mais de cinquenta anos após seu lançamento! Confira:
Existem livros que quando você decide se aventurar por suas páginas te causam aquela sensação de estar pisando em território sagrado, e a despeito da ausência de arvores que queimam sem jamais se consumir, trovões, vozes sinistras vinda do além e luzes mágicas, essa sensação de sagrado é ressaltada por todo mito que reveste a obra. E nem é preciso ler um capítulo inteiro, já basta o título para desencadear um palpitar diferente no seu coração, só para você sentir que está diante de uma lenda da literatura. E embora os Harolds Blooms da vida tenham uma ou outra palavrinha para dizer sobre esse fenômeno de canonização literária, o que te importa é que algum deus das palavras decidiu dividir com você um pouquinho de sua grandiosidade atemporal. E foi mais ou menos isso que ler O apanhador no campo de centeio (Do Autor, 2012) significou para mim.
J. D. Salinger, enquanto agride o fotografo
E eu sei que se você está lendo isso é porque está esperando aquele momento do “e o livro fala sobre...” e “o que eu achei do livro...” mas, antes do praxe, preciso dizer que toda essa aura de mito me fez, quando comecei a ler, ter aquela sensação de estar realizando algo, e quando terminei fui mais uma vítima da idealização vs. realidade, sem que isso signifique que eu não tenha gostado, só que toda expectativa criou um quadro irrealizável na prática, o que não me tornou o mais ideal dos leitores (você também já deve ter passado por isso).
Agora, enfim, vamos falar do livro! O livro polêmico, que colocou J. D. Salinger ao mesmo tempo no limbo dos autores “proibidos” em várias partes do mundo (e do próprio EUA), e nos pedestais dos maiores escritores do século XX (dá para entender porque o cara decidiu se isolar boa parte de sua vida). Em todo caso, o livro que também é envolto por polêmicas, censuras e proibições, além de ser associado com vários assassinatos famosos (os Beatles que o digam), também é responsável por uma das maiores revoluções literárias já registradas. E não apenas para a literatura americana, para a literatura mundial como um todo. Há até críticos que dividem a literatura do século XX com um antes e depois do O apanhador no campo de centeio.
E isso porque Salinger promoveu uma revolução no campo das palavras, tanto pelo vocabulário que adotou, como pela escolha de seu personagem. Holden, o anti-herói adolescente mais cultuado do mundo, é uma versão dostoievskiana de herói mirim. Perturbado, ambíguo, o personagem se tornou um símbolo da rebeldia juvenil. E embora o personagem tenha uma grande quantidade de dor e ódio voltado para a sociedade como um todo, boa parte desse ódio o próprio protagonista não consegue explicar, e não chega direto a nós os leitores, se não por meio de sutilidades e subtendidos propositais deixados como pista pelo autor. Mas falaremos já já disso. Por outra, o outro ponto que é fundamental na obra ser citado é a revolução da linguagem. Embora gírias e dialetos do submundo já houvessem sido empregados antes (como por Victor Hugo), Salinger criou uma revolução ao trazer primeiramente isso ao primeiro plano, dando nas mãos de alguém desse meio a narrativa, alguém que além de utilizar essa linguagem ainda se expressa tão inconstantemente e algumas vezes vago quanto um adolescente problemático. Assim a narração acontece com palavras fortes, marcadas por gírias, e que transmitem toda ira juvenil de seu narrador, que foi o que chocou inicialmente o público. Aliado a isso, a oralidade expressiva e volúvel de alguém que não consegue se definir, e está indo em uma direção, com rodeios, confusões e mudanças súbitas de humor, provavelmente caracterizam o que existe de mais complexo na composição do livro. (E infelizmente preciso fazer um parêntese para ressaltar que no campo da linguagem a tradução brasileira é uma droga! Com uso de expressões “abrasileiradas” e outras afrontas ao texto original). 
Holden Caulfield
E se você estava pensando que eu não iria contar o enredo, pode respirar aliviado. A história conta as desventuras de Holden Caulfield, um jovem nos últimos anos do ensino médio (equivalente no Brasil) e que acaba de ser expulso de sua escola. Ele precisa voltar para casa, mas antes disso ele prefere se esconder de todos que conhece, e tentar, ao seu modo, fugir das consequências. Mas durante a narração percebemos que ser expulso é apenas a ponta do iceberg. Holden é marcado pela perda de um irmão, somado com outros problemas implícitos na obra, que provavelmente são o motivo para o autor escolher o misterioso título O apanhador no campo de centeio. Em algum momento da obra, Holden e sua irmão (que é uma importante personagem embora apareça pouco, e que ele descreve com uma idade, mas provavelmente é um pouco mais velha) conversam sobre o porquê dele estar “tão perdido” e ele cita um poema que poderia explicar o título. Mas a verdade é mais profunda do que um simples complexo de Peter Pan, e trata-se, na minha opinião, de um sentimento de culpa, que o faz querer voltar eternamente no tempo em que ele poderia salvar alguém. Mas esse sou eu, claro. Além da irmã, um irmão mais novo é citado sempre na obra, como uma lembrança especial.
E embora eu tenha me tocado que essa resenha já ficou enorme, e que eu não disse dez por cento do que gostaria, terminarei dizendo: leia esse livro. É uma história densa e profunda, muito diferente da maioria dos chamados “livros para adolescentes”. É preciso ler com calma e se possível reler, para compreender toda dimensão do personagem. E caso você decida ler esse livro para tentar entender porque tantos assassinos famosos o citam como espiração, desista, o motivo não está claro (esse é um trabalho para os caçadores “babacas” de mensagens subliminares), e provavelmente é fruto só da cabeça deturpada dos assassinos.