Era uma vez, há
não tanto tempo atrás, uma casa que ficava no meio de uma velha floresta,
cercada por uma campina que era como um tapete vivo e um jardim com um manto
colorido de flores. A casa, um sobrado amarelo, erguia-se até a copa das
árvores mais baixas, e dela, uma música muito alta ecoava por todo silêncio da
floresta. Talvez por isso quase não se via animais ao redor da casa, a exceção
dos três grandes pitbulls que dormiam preguiçosamente na varanda. O som agudo
de guitarras elétricas perfurava a paz da floresta, enquanto a moradora da casa
divertia-se surfando pela internet.
A velhinha que
morava sozinha naquela casa, gostava desses dias de paz e rock’in’roll, sentada
na grande poltrona de couro, os pés levantados em uma pilha de almofadas e uma
xícara de chá, cheia até a borda com um gelado suco de limão batizado com vodka
repousada ao seu lado. No colo, o notebook aberto visualizava sua página no
Facebook. Com um suspiro a boa velhinha disse:
– Que saudades
da minha neta, a chapeuzinho vermelho. Bem que ela poderia me mandar ao menos
um recado pelo Face. O que será que ela anda fazendo?
Nesse momento o
celular em repouso ao lado da xícara na mesa começou a tocar desesperadamente.
Com um movimento rápido a boa velhinha lhe atendeu.
– Alô.
– Mamãe, sou eu!
– Querida! Há
quanto tempo... Acredita que eu estava agora mesmo olhando um site de compras e
pensei em você quando eu vi uma porcelana...
– Mamãe, escute!
Não temos tempo para isso! – Interrompeu uma voz desesperada do outro lado, as
palavras entrecortadas por uma respiração irregular.
– O que
aconteceu querida? – Indagou a velhinha preocupada.
– A chapeuzinho,
mamãe... ela... ela... ó meu Deus! Fugiu com o lobo mau!
– O QUÊ?! –
Gritou a vovó pondo-se em pé. – Como assim?
– Ela fugiu!
Simplesmente sumiu! Levou todas as roupas dela. Eu sabia que aquele baterista
daquela banda punk, Os Lobos Maus, era uma má influência.
– Mas como isso
aconteceu?
– Eu não sei!
Mas ela deixou um bilhete dizendo que ia para a Argentina casar com o lobo!
– Casar? Minha
netinha?
– Ao certo
aquele cafajeste iludiu a pobrezinha! Minha filha nunca fugiria para se casar
por pensamento próprio.
– Tem razão!
Algo precisa ser feito. Deixe comigo minha querida. Eu trarei nossa chapeuzinho
de volta. – E ao dizer isso desligou o celular.
A vovozinha
pôs-se de pé com um salto, e correu até as escadas para o segundo andar,
subindo três degraus de cada vez. No corredor, atirou-se para dentro de seu
quarto e puxou um pesado baú de debaixo da cama. Abriu-o e tirou uma pesada
jaqueta de couro negra, que vestiu por cima do pijama rosa de bolinhas
vermelhas. Tirou um par de luvas de couro, e também as calçou. Foi até o
banheiro, e com um soco quebrou o espelho da pia, revelando um compartimento
secreto onde guardava um grande rifle calibre 50. Pendurou o rifle nas costas e
desceu novamente saltando cinco degraus de uma vez as escadas, vestindo a
jaqueta sobre o pijama e fazendo um barulho engraçado cada vez que suas
pantufas de sapinho pisavam no chão. Antes de sair de casa, todavia, parou e trocou
os óculos de leitura que usava por grandes óculos escuros com aro de metal.
Assim, vestida para a caça, foi até a garagem, onde sua velha moto, uma Harley
Davidson, lhe esperava. Colocou o capacete por cima do bob que usava e
montou-a.
–
Vou mostrar para esse vira-lata o que os anos 70 me ensinaram. – Disse, tirando
um enorme charuto do bolso da jaqueta e o acendendo, levou o charuto aos lábios
e deu uma longa baforada, soltando um circulo de fumaça. – Pronto ou não
cachorrinho, aí vou eu.
Acelerou,
então, sua Harley, fazendo os pneus cantarem e empinando a moto sobre uma única
roda, arrebentou a porta da garagem e voou pela estrada.
–
Irrá! Como no Woodstock! – Bradou enquanto o vento batia em sua face, fazendo a
dentadura vibrar.
Ela
pilotou furiosamente, acelerando até suas rodas levitarem, sem diminuir a
marcha uma única vez. Ultrapassou vários caminhões, alguns motociclistas que
tentaram tirar um racha com ela, três carros de corrida e o trem bala, até que
finalmente chegou à Argentina.
Enquanto
isso, na capela em que aconteceria o casamento, um desajeito lobo mau, com
cabelo moicano, vestindo um terno rasgado nas mangas e com as palavras Cachorro mau tatuado no braço esquerdo,
esperava desajeitado, mas com um enorme sorriso no rosto a entrada de sua amada
pela nave da igreja. De repente, um trio de guitarristas começaram a tocar a
marcha nupcial, e uma jovem vestindo um longo e maravilhoso vestido branco,
envolto por seu enorme véu vermelho adentrou a igreja. Todos os convidados,
basicamente os membros da banda do lobo, o dono do bar de rock que eles
frequentavam e as amigas das lideres de torcida da chapeuzinho, levantaram-se
para ver a bela menina entrando. Nesse momento, o dono do bar, um homem muito
gordo, careca, com uma barbicha que crescia até o peito, óculos escuros e uma
caveira tatuada em cada braço começou a chorar, assoando o nariz no cabelo
cumprido do guitarrista da banda do lobo.
Ao
chegar ao altar, o lobo tomou a mão de sua noiva, e ambos voltaram-se para o
mestre de cerimônias, um anão com cabelo comprido vermelho, unhas grandes
pintadas de verde, e uma beca toda ornamentada com pregos. Seguiu-se o sermão
emocionante, que comparava o amor à duas motos que correm pela estrada, e o
casamento à um show do Pink Floyd, fazendo todo público chorar de emoção.
– E
agora, finalmente – Disse o anão. – Lobo mau, aceita essa bela, linda,
maravilhosa, doce, sexy, sarada, poderosa, e radical, jovem, a chapeuzinho,
como sua legitima esposa?
–
Auuuuuuuuuuuu! – Assentiu o lobo.
– E
você, chapeuzinho, aceita esse pulguento, fedorento, raivoso, desempregado,
inútil, e não vacinado, como seu legitimo esposo?
–
Aceito. - Respondeu a jovem encantada.
–
Então, se houver alguém que seja contra este casamento, que fale agora ou
cale-se até o divórcio.
Nesse
instante as portas da igreja são arrombadas pela vovó, que adentra a nave da
igreja, empinando a moto, e fazendo várias manobras pelo corredor. Ela da uma
rabiada, e diz:
– Eu
tenho!
–
Vovó! – Diz chapeuzinho, ao mesmo tempo feliz e surpresa. – O que faz aqui?
–
Não posso permitir que minha única neta se case com esse cão sarnento.
–
Ei, velhota, cão sarnento? Qual é? Eu também tenho sentimentos, sabia?
–
Você vai sentir o meu pé no seu traseiro, vira-lata imundo. – Diz a vovó,
colocando todo seu charuto dentro da boca e o mastigando inteiro, engolindo-o
por fim. – Vem brincar com a vovó, vem...
O
lobo começa a rir freneticamente, enquanto pobre mocinha diz aos prantos
–
Não vovó, você não entende... Eu amo o lobo mau!
–
Quieta mocinha, você é jovem demais para saber o que é o amor.
–
Tudo bem cachorrinha. – Intrometeu-se o lobo mau. – Eu resolvo isso em um
segundo. – Ele tirou o paletó, revelando o peito musculoso e muito peludo. –
Cai dentro velhota.
–
Ora, cão atrevido, como disse John Lennon: “Imagine a minha mão no seu
pescoço.”
E
saltou sobre o lobo, pondo-se a surrar-lhe, para espanto do poderoso lobo, que
viu-se completamente impotente contra a velhinha que lhe desferia centenas de
golpes de Kung Fu. O lobo começou a gritar e ganir, enquanto o som de seus
ossos quebrados enchiam a igreja. Todos observavam assustados, tremendo de medo
da poderosa velhinha. Por sua vez, a pobre chapeuzinho, assistia a cena
horrorizada, sem saber se protegia o amado ou acalmava a vovó. Somente quando a
vovó começou a sentir-se muito cansada e o lobo já ia coberto de sangue que ela
sacou seu rifle e esbaforida mirou-lhe entre os olhos.
–
Hasta La vista, lobinho. – Disse pausadamente, de tão cansada.
Mas
nesse instante, devido sua idade avançada e o tremendo esforço que colocou em
surrar o lobo mau, seu coração já não tão jovem teve um infarto e ela tombou
para trás. Desesperada a chapeuzinho acudiu a vovó e em poucos instantes ela
estava a caminho do hospital. Todavia, como o lobo já estava muito ferido, o
casamento foi adiado até o dia seguinte.
No
outro dia, os convidados estavam novamente em seus lugares, as guitarras soavam
românticas outra vez, e o lobo estava em seu lugar, apoiado em muletas e todo
enfaixado esperando pela encantadora chapeuzinho que vinha em passos lentos
pelo corredor da igreja.
Novamente,
o anão fez seu discurso, quando outra vez as portas da igreja foram abertas com
violência, dessa vez por um chute, e uma pálida vovó, carregando um tanque de
oxigênio em uma mão, e o soro na outra, adentrou a igreja furiosa, agora
vestindo o pijama do hospital e sentindo uma leve brisa bater-lhe por trás.
– Eu
voltei! – Disse, saltando novamente sobre o lobo, que começou a gritar de
pânico assim que viu a velhinha, que agora batia-lhe com o tanque de oxigênio.
Entretanto,
dessa vez, a chapeuzinho, temendo o pior, pulou sobre o amado, antes que a vovó
pudesse surrá-lo ainda mais.
–
Sai daí chapeuzinho. Não posso esfolar esse lobo maldito com você na frente,
meu bem. – Falou, tranquilamente a vovó.
–
Nunca! A senhora não entende, eu amo o lobo mau. Se ele precisa morrer, eu
morrerei com ele! – Respondeu veementemente.
–
Você morreria por causa desse vira-lata?
–
Sim! Pois mesmo sem ter pedigree, esse cachorro carregou meu coração.
Diante
dessas palavras, e dos olhos marejados de lágrimas da netinha, a doce velhinha
sentiu-se ainda mais frágil do que seu estado lhe permitia ser e baixou o
tanque de oxigênio.
–
Tem certeza, meu amor? – Perguntou a vovó.
–
Com cada pulga do meu corpo, vovó. – Respondeu a neta, coçando-se por causa das
pulgas que pegara do lobo mau.
–
Como posso eu, uma simples dona de casa anarquista e anti-governo, ser contra o
amor de uma jovem? Ainda mais da neta que amo tanto?
–
Vovó! – Disse a neta emocionada.
–
Chapeuzinho! – Respondeu a vovó vibrando.
–
Vovó! – Repetiu a neta ainda mais emocionada.
–
Chapeuzinho! – Disse novamente a vovó agora tremendo. – Acho que vou ter outro
infarto. – E desmaiou.
Como
a vovó e o lobo estavam agora muito feridos, o casamento novamente foi adiado
até o dia seguinte. Mas no outro dia, a igreja novamente cheia, o anão pronto
para fazer o seu discurso, um lobo mau em cadeira de rodas em seu lugar, e ao
som das guitarras elétricas a doce chapeuzinho vermelho entrou na igreja, sendo
conduzida pelo braço por sua avó, que agora vestia um terno roxo, que ia até o
chão.
A
cerimônia foi linda, e ao final, quando os noivos beijaram-se, todos na igreja
começaram a chorar, incluindo a vovó, que como presente de casamento dera para
a neta uma passagem para os dois para uma ilha tropical de nudismo na lua de
mel.
Algum
tempo depois, estava novamente a vovó em sua casa, sentada em sua poltrona e
surfando na internet quando entrou no Twitter de sua neta e leu o quanto ela
estava feliz em sua lua de mel na ilha de nudismo, com uma nota que agradecia
em especial sua doce e frágil vovó.
–
Ah, como é bom ser jovem, lembra meus anos de revolução francesa. – Disse
saudosista a vovó.
E
twitaram felizes para sempre.
Por: André Moreira