terça-feira, 24 de maio de 2016

O livro mais triste de Tolkien – Resenha de Os Filhos de Húrin



Quem se depara com a grandiosidade de obras como O Senhor dos Anéis, muitas vezes releva que a Terra Média é muito mais antiga que a jornada de Frodo para destruir o anel. Tanto na mitologia, como em sua própria criação. No primeiro caso, os tolkienianos de plantão já conhecem bem a profundidade da antologia de contos de fada do todo poderoso Mister Tolkien. Em obras como O Silmarillion e Contos Inacabados (ambos publicados pela Martins Fontes no Brasil), o melhor amigo de C. S. Lewis já apresentava personagens e histórias fantásticas muito anteriores aos acontecimentos narrados em sua obra mais famosa. Histórias de séculos e até milênios antes, carregadas de elementos fantásticos, heroísmo, personagens grandiosos e até batalhas cinematográficas. É tão rico esse acervo, que muitas dessas histórias menores aparecem até mesmo citadas como lendas no próprio O Senhor dos Anéis. E é este o caso de Os Filhos de Húrin (Martins Fontes, 2009).
Na trama voltamos mil anos antes do ressurgimento de Sauron, ao tempo do primeiro senhor do escuro, Morgoth. Nessa época, onde o mundo ainda era jovem (ou um pouco menos velhinho), os deuses eram lembrados com muita mais proximidade, e os próprios elfos assumiam uma imagem mais divina para os homens (o próprio Morgoth é um elfo que fazia parte dos deuses antigos e fora expulso). Assim, a grandiosidade dos feitos e dos homens que lhes praticavam era assombrosa. E entre esses homens titãs, Húrin se sobressaia. E tão feroz era, tão obstinado, que seu espírito inabalável atraiu a ira do próprio Morgoth, que após captura-lo e tortura-lo, decide prende-lo no ponto mais alto de uma torre, onde não poderia morrer e seria obrigado a assistir a trajetória de seus descendentes, a quem amaldiçoou e jurou destruir. E assim começa a breve biografia dos irmãos Túrin e Nienor, filhos de Húrin e Morwen, senhores dos homens do norte.
(Será que precisa de legenda dizendo quem é esse cara?)
Sem o pai, e sempre fugindo para salvar sua vida, Túrin é criado pelos elfos, e se torna um homem tão forte, bonito e imponente que ganha o apelido de homem-elfo, sendo facilmente confundido com seus protetores. Mas a maldição de Morgoth destrói tudo que Túrin ama e leva a desgraça para todos ao seu redor, assim, toda a vida do orgulhoso e colérico jovem é guiada por sua fuga e pela perseguição de um destino terrível. E entre o isolamento, várias guerras e um dragão, Túrin ainda terá que enfrentar a mais terrível das maldições: um amor trágico (sem spoilers).
Quanto a obra em si, a primeira coisa que tenho a dizer é que é até agora o livro que eu mais gostei de Tolkien (apesar que eu só li ele e O Hobbit; não li O Senhor dos Anéis porque a trilogia do cinema é de longe a minha favorita, gosto tanto que tenho medo de ler os livros e passar a não gostar dos filmes). O texto também foi escrito muito antes de Tolkien sonhar com o bromance entre Frodo e Sam, sendo talvez a primeira (com certeza é uma das primeiras) aventura do autor pela Terra Média, começando a ser escrita quando ele ainda era um jovem soldado na guerra. É importante frisar que a obra finalizada que chegou até nós foi “organizada” por Christopher Tolkien, o filho do bom velhinho. Isso porque Tolkien começou a escrever a história em forma de poema narrativo (isso mesmo, em verso e com rimas!), mas nunca concluiu, passando para o que seria contos (ou apontamentos para contos) dessa história. Assim, T. Junior apenas organizou esses contos (ou apontamentos de contos) de forma a criar uma narrativa mais longa (que podemos considerar um romance curto ou uma novela longa), provavelmente mexendo no texto apenas nos pontos em que se fazia necessário uma concordância narrativa. (Logo, não é um Tolkien Pai puro). 
Mas, por outro lado, isso teve um efeito bem positivo. O primeiro dele é que resultou em uma narrativa leve, rápida de ler, com uma linguagem poética, muito diferente dá densa descrição da floresta em A Sociedade do Anel (único livro da trilogia que comecei a ler). Isso se deve ao fato de termos em mãos a junção de três contos, não um romance, gênero que exige uma brevidade maior. Assim, nós temos acontecimentos que seriam narrados em um capitulo inteiro em O Senhor dos Anéis, contados em um paragrafo. A outra característica é o tom que isso criou. A atmosfera extremamente poética da histórica, com uma aura sombria e melancólica pairando sobre cada momento da vida dos herdeiros de Húrin.
Hurin aprisionado 
Além disso, o texto lembra em vários momentos tragédias gregas, com cenas de muita violência, incesto e um momento catártico profundo e inesquecível. Mas, acima de tudo, lembra, principalmente em tom, os poemas épicos do começo da literatura inglesa e da literatura nórdica europeia. Estou falando de poemas como Beowulf. Poemas que possuem um clima trágico desde o inicio, onde reis decidem enfrentar o seu destino e jogar com os deuses, em nome de uma grandiosidade que atravessaria as eras da terra. Isso não é coincidência, levando em conta que Tolkien concebeu essa história originalmente como um poema, e dá ao texto um ar muito mais solene e grandioso.
E para concluir essa resenha que planejei para ser curta e acabou virando um filho gordo (nada mais adequado para um pai gordo), digo apenas que: se prepare para ficar triste após ler esse livro. Existe uma boa razão para ele ser considerado a obra mais sombria de Tolkien. E como todo belo poema dramático, com pretensões a grandiosidade, essa história apaixonante e instigante, vai te levar por caminho que você não imaginava encontrar na Terra Média.