A perspectiva da morte pode ser muitos,
como diria Elias Canetti, o motivador da vida, mas, entretanto, porém, todavia,
para a geração de escritores americanos judeus que despontaram ao longo do
século XX, como o cineasta Woody Allen, e o romancista Philip Roth, a morte é
motivo de muita angústia. A perspectiva de morrer é, antes de mais nada, um
motivo de letargia. E é justamente essa imagem da morte que Philip Roth aborda
em um de seus melhores romances do fim de sua carreira, Homem comum (Cia. das Letras, 2011).
O livro apresenta um personagem anônimo,
que ao longo de sua vida vai descobrindo os significados e a presença da morte.
Narrado em terceira pessoa e de forma não linear, o livro começa literalmente
pelo fim, com o enterro do protagonista. Depois o livro segue mais ou menos
linear desde a infância do (herói?) até sua velhice e, consequentemente, sua
morte. Um ponto interessante a ser ressaltado é que a maior parte da narrativa não
se passa na juventude, mas no começo e final da velhice do protagonista. Mesmo
quando o livro descreve cenas memoráveis, como sua primeira internação para sua
primeira cirurgia, e o medo infantil de se estar naquele lugar, é somente na
velhice que o narrador consegue alcançar os melhores pontos do livro – vale lembrar
que o próprio Roth já estava há muito tempo na terceira idade.
Philip Roth |
Mas talvez exista outro elemento
fundamental na história além da morte: a solidão. É um livro que trata
abertamente da solidão humana e da capacidade do homem moderno de dissolver os vínculos
com as pessoas que lhe são mais queridas. Assim, ao longo da vida do
protagonista assistimos na verdade um longo ato de morrer, e muito solitário. O
narrador nos conta como ele trocou seu primeiro casamento precipitado por um
casamento seguro e feliz, e este segundo casamento por um terceiro, ainda mais
impulsivo e menos racional, até o ponto em que finalmente termina sozinho.
Assistimos o ódio dos filhos do primeiro casamento, que logo os mantém longe do
pai, e os problemas da vida da filha de seu segundo casamento, que como tal
também se vê afastando-se do protagonista. Além de testemunharmos as constantes
perdas dos familiares e dos amigos do (herói?) para a morte, e o afastamento do
irmão que tanto o amava devido ao simples fato de que a vida torna algumas
pessoas – no caso o protagonista – alguém amargurado demais para conviver.
O trágico na obra, que não apresenta um
conflito ou uma reviravolta como muitos estão acostumados em livros, é a
aparente perda de sentidos que a vida nos impõe. O que amamos ou nos é tirado,
ou é virado contra nós, e isso naturalmente, feito muitas vezes por nós mesmos,
e muitas vezes conscientemente. A ideia da vida, na obra, é quase existencialista,
no sentido que não há uma razão, nem um Deus, e a vida irá continuar, mesmo sem
nós. É impossível ler esse livro e não ficar ao menos um pouco triste, sentindo
no fundo do estomago aquele vazio impreenchível.
Em todo caso, é meu segundo livro de
Philip Roth, e pela segunda vez ele me cativou completamente, dessa vez sem os exageros
sexuais de O complexo de Portnóy, mas
de uma forma tocante e leve, ainda que mergulhando no mais profundo e pesado
tema da existência humana.