segunda-feira, 23 de junho de 2014

Um retrato da morte – resenha de Homem comum de Philip Roth



A perspectiva da morte pode ser muitos, como diria Elias Canetti, o motivador da vida, mas, entretanto, porém, todavia, para a geração de escritores americanos judeus que despontaram ao longo do século XX, como o cineasta Woody Allen, e o romancista Philip Roth, a morte é motivo de muita angústia. A perspectiva de morrer é, antes de mais nada, um motivo de letargia. E é justamente essa imagem da morte que Philip Roth aborda em um de seus melhores romances do fim de sua carreira, Homem comum (Cia. das Letras, 2011).
O livro apresenta um personagem anônimo, que ao longo de sua vida vai descobrindo os significados e a presença da morte. Narrado em terceira pessoa e de forma não linear, o livro começa literalmente pelo fim, com o enterro do protagonista. Depois o livro segue mais ou menos linear desde a infância do (herói?) até sua velhice e, consequentemente, sua morte. Um ponto interessante a ser ressaltado é que a maior parte da narrativa não se passa na juventude, mas no começo e final da velhice do protagonista. Mesmo quando o livro descreve cenas memoráveis, como sua primeira internação para sua primeira cirurgia, e o medo infantil de se estar naquele lugar, é somente na velhice que o narrador consegue alcançar os melhores pontos do livro – vale lembrar que o próprio Roth já estava há muito tempo na terceira idade.
Philip Roth 
Mas talvez exista outro elemento fundamental na história além da morte: a solidão. É um livro que trata abertamente da solidão humana e da capacidade do homem moderno de dissolver os vínculos com as pessoas que lhe são mais queridas. Assim, ao longo da vida do protagonista assistimos na verdade um longo ato de morrer, e muito solitário. O narrador nos conta como ele trocou seu primeiro casamento precipitado por um casamento seguro e feliz, e este segundo casamento por um terceiro, ainda mais impulsivo e menos racional, até o ponto em que finalmente termina sozinho. Assistimos o ódio dos filhos do primeiro casamento, que logo os mantém longe do pai, e os problemas da vida da filha de seu segundo casamento, que como tal também se vê afastando-se do protagonista. Além de testemunharmos as constantes perdas dos familiares e dos amigos do (herói?) para a morte, e o afastamento do irmão que tanto o amava devido ao simples fato de que a vida torna algumas pessoas – no caso o protagonista – alguém amargurado demais para conviver.
O trágico na obra, que não apresenta um conflito ou uma reviravolta como muitos estão acostumados em livros, é a aparente perda de sentidos que a vida nos impõe. O que amamos ou nos é tirado, ou é virado contra nós, e isso naturalmente, feito muitas vezes por nós mesmos, e muitas vezes conscientemente. A ideia da vida, na obra, é quase existencialista, no sentido que não há uma razão, nem um Deus, e a vida irá continuar, mesmo sem nós. É impossível ler esse livro e não ficar ao menos um pouco triste, sentindo no fundo do estomago aquele vazio impreenchível.

Em todo caso, é meu segundo livro de Philip Roth, e pela segunda vez ele me cativou completamente, dessa vez sem os exageros sexuais de O complexo de Portnóy, mas de uma forma tocante e leve, ainda que mergulhando no mais profundo e pesado tema da existência humana.