quinta-feira, 20 de junho de 2013

Anatomia do tempo

É redundante qualquer alusão à importância do tempo na obra proustiana, o próprio titulo já denuncia isso, mas em caráter pessoal, o que me chama a atenção é a maneira como o tempo se desdobra na narração, amarrando-se em milhares de caminhos que tornam a leitura, mesmo intensa, uma luta contra a maré do fluxo de acontecimentos. O tempo segue um ritmo, que de tão profundo, absorto nas reminiscências do narrador, da voltas sobre si mesmo, retardando o avanço, quase como um eterno retrocesso, às vezes cansativo, mas nem por isso menos prazeroso. O tempo é um corpo arquitetônico, construído sobre outros tempos, que se completam e se conflitam-se, ao ponto de o narrado não serem os fatos e sim a própria essência temporal que divaga na alma do
autor, são memórias, mais que isso, memórias de sensações, memórias sensíveis que traduzem, ou buscam fazer, o indelével. O universo em absoluto é interiorizado, medido e reconstruído dessa ótica profunda, e finalmente refeito quase filosoficamente. Esse tempo se reflete na própria construção das sentenças, normalmente longas, que delongam-se no percurso de várias idéias sobrepostas. O narrador monta o enunciado, o interrompe com outra idéia, uma explanação maior dessa idéia, uma metáfora, uma observação, e a conclusão do enunciado original. Razão pela qual não raramente se encontram parágrafos de três a quatro páginas. De qualquer modo, a obra propõe uma leitura quase experimental, de um tempo quase experimental, que leva o leitor para outra dimensão, ao mesmo tempo que invoca neste uma dimensão intima, que todos possuem, mas muitas vezes se faz inexplorado, e o tempo da narração, se torna, desta forma, o tempo de nós mesmos.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

A queda do homem, a queda da nação

Ao fechar desse livro senti todo o peso do que os gregos chamavam de catarse, sob a forma de um sentimento abstrato, de uma elevação melancólica que vinha não sei de onde e me enchia por completo. O poder narrativo de Mann rompe as barreiras do tempo, as barreiras do espaço, tanto na obra, quanto no universo do leitor. Doutor Fausto te leva para regiões de si mesmo inexplicáveis em palavras, onde somente a arte (a arte como deveria ser) é capaz de levar no seu resultado final! Ele te rouba daqui, te coloca num universo paralelo, apesar de todo esforço necessário para ler sua prosa, que é, sem dúvidas, difícil. Isso se deve ao caráter de oralidade da narração, o narrador monologa com o leitor (o que é muito interessante), mas sem abandonar o seu microcosmos, ou seja, ele fala com quem lê falando ao mesmo tempo com si mesmo, o que dá várias vezes um ar filosófico ao livro. Outro ponto "pesado" são os trechos sobre teoria da música, o que é incrível, porque entre as passagens técnicas Mann faz o absurdo de descrever algo tão abstrato quanto a música! Mas o fato de nem todos os leitores (eu por exemplo) não serem músicos, torna meio complexo a leitura.
Quanto a história! Thomas Mann viaja entre dois tempos com seu narrador, Severos Zeitblom,que vive o final da Segunda Guerra Mundial, e volta, através de suas lembranças, até antes do começo da Primeira Guerra, para narrar a vida do amigo protagonista, Adrian Leverkühn, cuja história termina, pasme!, no começo da Segunda Guerra Mundial. A razão é o jogo figurado fodastico de Mann, que faz seu protagonista e seu país dividirem o mesmo destino. Ambos são levados por palavras (Hitler e o diabo) a venderem suas almas em troca do brilho da grandeza, e seu destino é trágico por isso. Quando o Fausto do século XX e o país mais poderoso do mundo partilham do mesmo fim, é natural que a narração abarque ao mesmo tempo ambos. E ao mesmo tempo, a história de Doutor Fausto é a história da arte. A apologia à arte moderna é gritante, romper as barreiras, alcançar o absolutamente novo, transformar em arte o que é apoético! E no fim de tudo, o encontro da beleza com a tristeza, como a dor sem medidas transportada para a arte consegue encarnar o mais elevado tributo, e transformar-se, a tristeza na arte, na expressão máxima de uma época, que, com toda sua perda da "eminência à vida", como diria Lukács, encontra na tragédia a expressão absoluta! Por fim, fica, é claro, o vazio que te acompanha ao terminar uma obra na qual vc mergulhou por muito tempo e que deixará, felizmente, saudade.

A tragi-comédia do futuro, segundo Aldous Huxley

Em um futuro 500 anos à frente de nossos dias, o mundo se tornou uma construção de plástico. Ter, comprar, sentir e obedecer, eis os mandamentos universais. A felicidade não é mais um objetivo, é uma máxima absoluta; não ser feliz é um crime. Quando pensamentos robotizados sintetizam o caráter humano em uma sociedade distopia profundamente consumista e toda celula familiar é dissolvida em uma fria estrutura passional de busca por prazer constante, a identidade do homem individual desaparece num mar de neon e entorpecentes politicamente corretos. Nesse futuro, ser é o fruto de um sistema delineado para preestabelecer os padrões direcionais da vida. O homem é aquilo que nasceu especificamente para ser – ou melhor dizendo, é aquilo para o qual foi fabricado e condicionado a ser.
É preciso que o caos nasça em uma esfera totalmente amputada da sociedade, para então ser enxertada no cerne dessa maquina absoluta e inefável. E ao fazer, a ideia de ser, ter, sentir, comprar e obedecer é questionada ao ponto de parecer loucura. Em um mundo de loucos, como pode a razão prevalecer? Admirável mundo novo é um quadro do mundo atual, satiricamente pintado com cores futuristas para retratar uma geração altamente consumista e de rasa propriedade emocional. Quando todas as esferas sociais são condicionada por parâmetros fúteis e vertiginosos, todo um mundo de “felicidade forçada” é uma cadeia por onde cegos desempenham seus papeis segundo as cordas do sistema, tomando essa pantomima trágico-cômica por vida. E será essa triste realidade que o jovem Selvagem irá encontrar no mundo civilizado após anos de ostracismo. Mas como pode alguém com valores sobreviver em uma sociedade de ideais comerciais e transitórios? O Selvagem é o caos em um sistema de mundo condicionado e estratificado pela filosofia capitalista e, quando o homem se torna o produto de consumo absoluto, será ele o resquício de uma consciência que vê o homem como ser e, por tanto, não pode se fazer compreender. A identidade é uma peculiaridade desconhecida para o homem do futuro. Um futuro triste espera o homem, diz Huxley em sua obra mais famosa. Não ser mais que um objeto ou a loucura.

A tragédia hemingwayniana

"Aos que trazem coragem a este mundo, o mundo precisa quebrá-los para conseguir eliminá-los, e é o que faz. O mundo os quebra, a todos; no entanto, muitos deles tornam-se mais fortes, justamente no ponto onde foram quebrados. Mas aos que não se deixam quebrar, o mundo os mata. Mata os muito bons, os muito meigos, os muito bravos – indiferentemente. Se vocês não estão em nenhuma dessas categorias, o mundo vai matar vocês, do mesmo modo. Apenas não terá pressa em fazer isso." Essa máxima hemingwayniana, e também um dos trechos mais conhecidos da obra, é uma síntese da teia trágica em que estão presos as personagens de Hemingway. Em sua essência, eles trafegam por círculos existenciais em que a própria matéria da vida, prática e objetiva, entra em conflito com a essência de suas próprias carências, as quais estão sempre maquiadas por habilidades diretas. Mas essa carência, que os persegue e os encontra justamente durante sua fuga, no cenário mais antagônico, é a gama de existências perdidas, que se temem, e asseiam por se completar, mesmo que isso os coloque contra toda máquina universal na qual estão presos. E é nesse contexto que o jovem casal que protagoniza a obra se encontram e se perdem, absorvendo-se mutuamente em sua essência e em sua necessidade de tomar dessa essência, até que a maquina universal na qual se inserem lhes esmague.
Quando Frederic Henry se encontra com a enfermeira Catherine Barkley, ele figurava no pavilhão dos muitos personagens hemingwaynianos que estão em busca de uma identidade em um mundo que não compreendem – ainda que nem sempre saibam disso. Foi durante a primeira guerra mundial, na Itália, onde o soldado expatriado americano serve como voluntario da cruz vermelha. E é quando seus destinos se entrelaçam que a carência da personagem até então remediada com soluções diretas se levanta, e ele percebe que só pode se completar na companhia da bela enfermeira, se atirando em um amor juvenil que devora-os. Abandonam tudo, como quem descobre o sentido de suas vidas, para viverem unicamente do centro desse amor e, ao fazê-lo, tal como Romeu e Julieta – caso seja permitido uma comparação clichê – se atiram ao trágico destino de um amor impossível, pois, seu amor só é possível ao negar a maquina que os aprisiona, traçando o belo e catártico destino do casal.

sábado, 15 de junho de 2013

LÍNGUA, FALA E NORMA

Atividade lingüística concreta, movimento dialético entre criação e repetição, inclui todas as variações que o falante pode acrescentar às inúmeras estruturações lingüísticas já formuladas e aceitas socialmente. Representa sempre um ato individual. Só aí é possível a comprovação de realizações inéditas do sistema e, por isso mesmo, constitui o grau máximo de variação lingüística. Mensagem codificada, nível de observação objetivamente comprovável, indica como se diz num determinado ato de fala. Caracteriza-se ainda por ser não convencional e opcional, mas opção individual de cada falante. Enfim, a fala é como funciona concretamente. Os fatos de norma são modelos abstratos e não manifestações concretas. Representam obrigações impostas numa dada comunidade sócio-lingüístico-cultural. Inclui elementos não relevantes, mas normais na fala dessa comunidade. A norma se constitui como realização coletiva, tradição, repetição de modelos anteriores. Indica como se diz, ao estabelecer códigos e subcódigos para diferentes grupos de uma mesma sociedade. É convencional e opcional, mas opção do grupo a que pertence o falante. Preserva apenas os aspectos comuns, eliminando tudo o que, na fala, é inédito, individual. A norma é modelo de como funciona. Os fatos de sistema são modelos abstratos,constituídos de oposições funcionais. Representa um código para toda a sociedade. Coseriu considera o sistema como um indicador de caminhos abertos e fechados, ou seja, de todas as possibilidades. Mais que um conjunto de imposições, é um conjunto de liberdades, a técnica lingüística propriamente dita. Elimina da norma tudo o que é simples hábito, simples tradição. É formado exclusivamente de invariantes. Sistema é o que funciona.

Os medos de Lucas


O livro Seis vezes Lucas, escrito pela escritora carioca Lygia Bojunga, ganhadora do prêmio Astrid Lindgren, é o primeiro título de sua fase cinzenta, fase está, melancólica que é uma preparação para a vida e para a morte, e narra em seis capítulos as desventuras do pequeno Lucas. Uma criança retraída, tímida, cercada pela frieza do mundo adulto e pela indiferença dos pais, quais, na maior parte das vezes, acabam por ser os grandes vilões da obra. Escrito em 1995, uma época em que muito se discutia os direitos da criança no Brasil, a autora visa denunciar a falta de atenção para com as crianças, bem como certos cuidados por parte dos pais. O livro recebeu vários prêmios, entre eles o prêmio Jabuti, concedido pela Câmera Brasileira do Livro em 1996. Na obra, que se passa no decorrer de quase um ano em espaços abertos e fechados, Lucas se vê confinado em seu problema de relacionamento com os pais, o qual desperta na criança profundos medos, intensos, que o fazem um personagem assustado, em constante dilema de identidade, cujo dentre os medos cultivados estão o medo de ficar sozinho em casa de noite, o medo da solidão, o medo de mudanças, o medo de “não gostar mais de gostar do pai.” Medos esses que ele tenta desesperadoramente reprimir durante a obra para agradar o pai, qual afirma que homens não choram, nem podem ter medos. Isso, por sua vez, faz com que esses medos se manifestem na forma da “Coisa”. Uma forma de dor física que ataca com diferentes graus de intensidade partes do corpo do pequeno Lucas. 
           Dentre as ferramentas que Lucas encontra para enfrentar o medo estão a arte e um cachorro vira-lata chamado Timorato. Primeiramente, valendo-se de massa de modelar vermelha, uma cor intensa, enérgica, muito diferente do próprio Lucas, tímido e retraído, Ele produz uma máscara, “a cara”, qual é sorridente, um sorriso com capacidade de “conquistar o medo”, e que inspira em Lucas um espírito sem medo de ficar sozinho. Todavia, essa máscara também lhe é tirada pelo Pai, transformando Lucas mais uma vez em um garoto medroso. Lucas encontra então outra forma de combater seus medos, agora através da figura do que ele supunha ser o amigo ideal: Um cachorro. Qual ele pede ao Pai com tanto siso que acaba por aborrecê-lo, ainda que este faça uma promessa de lhe conceder um cachorro no aniversário, desde que não seja mais importunado com esse assunto pelo filho. Este aceita os termos do Pai e aguarda ansiosamente pelo presente no aniversário. Entretanto, o que recebe são chocolates do Pai, que esquecera completamente da promessa. Levado pelo constrangimento do choro do filho, qual se tranca no banheiro durante sua festa, porém, o Pai sai em busca de um cachorro para o filho, apanhando um vira-lata qualquer na rua. Mesmo assim, o animal acaba se tornando o melhor “brinquedo” que o filho já ganhara. Brinquedo que come e dorme e recebe o nome de Timorato. O então vira-lata passa por um processo de antropomorfização, deixando de ser um cão de rua para se tornar um morador de classe média à imagem e semelhança de seu dono, qual, conforme ia confidenciando-lhe seus medos, ia incutindo no cachorro os mesmos. 

        Timorato perde assim o espírito valente que se supõe pertencer aos cães de rua, quais sem donos nem mimos precisam buscar o próprio sustento e fugir dos perigos naturais da vida. Torna-se um cachorro medroso, inquieto na ausência de seu dono, como se o medo de ficar sozinho até então de Lucas tornasse-se seu. Lucas por sua vez aparenta grande melhora de comportamento agora que tem um amigo leal para lhe dar apoio. Entretanto, o medo do cão termina por irritar o pai, qual saturado pela presença agora incomoda do animal decide soltá-lo à própria sorte em uma estrada, bem diante do assustado e ferido Lucas, que enxerga com os olhos marejados o amigo ficar para trás. Resta ao jovem Lucas agora, apenas o conforto de sua primeira paixão, Lenor, que em grego quer dizer “a compassiva”, sua professora da escola de artes, na qual encontra certo carinho que lhe falta em casa, e para quem também confecciona uma máscara de presente. Mas tem novamente outro golpe quando percebe o interesse do Pai na professora, qual passa a ser enganada por esse. Lucas passa a imaginar como seria o lugar para onde o Pai levaria Lenor para dançar, lugar que ele idealiza pelo nome de terraço e passa a freqüentar em imaginação por algumas vezes. Alheia a esse fato, finalmente a Mãe de Lucas, uma mulher passiva e submissa a vontade do Pai, e completamente apaixonada por esse ao ponto de esquecer-se do filho, cansa-se das traições do marido e decide ir embora junto com o filho para o sitio da tia Elisa. O Pai, embora até então visto pelo filho como um homem bonito e vaidoso, toma novamente sua postura machista pondo-se contra essa idéia, e tentando convencer o filho a não seguir a Mãe. Mas indiferente aos esforços do Pai, Lucas parte com a mãe para o período que aparenta ser o mais feliz de Lucas.
                   Esse período de felicidade, entretanto, termina com a volta do Pai, o qual cheio de promessas leva sua Mãe, cegamente, a decidir retornar para a cidade com o filho. Pela primeira vez Lucas exprime sua indignação, enquanto indaga a mãe “e eu?”, antes de fugir para a mata do sitio, onde se perde e passa uma noite terrível, em companhia da “coisa”. Em pesadelo, ele revê Timorato, o fiel amigo que aparece em seu socorro até nos sonhos, para enfrentar “a coisa”, em uma batalha que termina com a destruição desse “medo”, onde são trazidos novamente os choros de Lucas, choros antigos, acumulados por anos e anos de repressão por parte do Pai. E ali, enquanto chora, Lucas abandona, junto com os medos, junto com as lágrimas, junto com Timorato, sua infância, qual morre para dar lugar a um novo Lucas. Um Lucas sem medo, mais maduro e experiente e um tanto frio, ao ponto de, ao ser inquirido pelo Pai se estava tudo bem, quando sequer sabia como ainda poderia vir a viver e gostar do pai, ele afirma positivamente. Ou quando, ao se deparar com a paixão cega da mãe e sua enganada professora ele se limita a concluir: “pensei que gente grande sacava melhor.” Nessa maravilhosa obra de Lygia Bojunga, encontrasse os sentimentos como principal fator da formação da identidade de Lucas. Os quais, constantemente conflitados pelas ações dos pais, ironicamente os símbolos de razão e afeto dos filhos, terminam por criar um Lucas cético e mesmo frustrado. Ressaltando a importância dos laços afetivos e familiares, Bojunga faz cada leitor se encontrar com uma porção de suas próprias experiências e encerra marcando cada um com uma verdade que muitas vezes deixamos por ignorar fora da ficção, forçando-nos a pensar sobre elas, as vezes com suspiros agradáveis, as vezes com lágrimas.

Poema: estrutura e conceito


                O poema é ao certo o gênero de maior complexidade. Não apenas pelo seu trato sobre a linguagem, que é sempre a mais bem trabalhada, mas por seu próprio sentido subjetivo e sua forma de dizer sem que realmente chegue a fazê-lo. Sua complexidade é tamanha que não raramente encontramos mais estudos publicados na área da prosa que dos versos, e também são poucos os professores que se aventuram nesse campo em sala de aula, justamente por conhecerem seus riscos. Mas o poema, que é sempre uma forma extremamente atual de expressão é também um processo de produção antigo da humanidade. Desde a antiguidade encontramos os ecos do que seria o poema como concebemos hoje. Já fora o poema uma peça da liturgia pagã, já ocupou a difícil tarefa de narrar os feitos grandiosos dos povos e também já teve seu lugar de exclusividade nos palcos, antes de ganhar um “eu lírico” e incorporar a voz extremamente intimista do poeta e, ao fazê-lo, o eu lírico também sofreu mudanças, ganhando novos nuances de versos e novos tecidos com os quais cria o material da poesia, até chegar ao ponto em que identificamos como poesia contemporânea. Tão logo, observa-se que o poema acompanhou as mudanças sociais e intelectuais de sua época, vindo diretamente da necessidade primaria do homem de expressar sentimentos abstratos dentro de uma cadeia tangível e tornar o indelével em arte, que é também a essência de toda manifestação artística. Mesmo ao retratar um fato concreto, em primeiro momento o autor sempre lida com o abstrato. Nas palavras de Oscar Wilde:

A Arte começa com a decoração abstrata, com um trabalho puramente imaginativo e agradável, não se aplicando senão ao irreal, ao não-existente. É o primeiro grau. Em seguida a Vida, que fascina esta nova maravilha, solicita admissão ao círculo encantado. A Arte apanha a Vida entre os materiais brutos, fá-la de novo, refunde-a sob novas formas e, absolutamente indiferente ao próprio fato, inventa, imagina, sonha, e conserva entre ele e a realidade uma barreira intransponível de belo estilo, de método ou ideal. (WILDE, 1994; 39) 

          Assim nasce o poema, que é a arte que se manifesta pela palavra. Segundo Alfredo Bosi (2000), ao se construir um objeto semântico, a consciência, através do poema e de uma situação já interiorizada, dotada de uma “atmosfera” afetiva e tonal, se diferencia à medida que o escritor sondar a própria memória e der contorno e relevo à intuição. Seu poema acabado transmite a impressão de um todo unificado não se deve a uma pretensa simplicidade original, mas sim ao poder de síntese do poeta, que, pela ação da forma expressiva, criou a diversidade dos particulares, explorou as suas ambigüidades e contradições produzindo aquele efeito único reclamado por Poe na Filosofia da Composição (2009) como escreveu O Corvo. Nos seus ensaios Poe observa que um poema só merece esse título enquanto emociona elevando a alma e que a Poesia é a criação rítmica da beleza. É na música, talvez, que mais de perto a alma atinge o grande fim pelo qual luta, quando inspirada pelo sentimento poético. Ele diz: 

Somente na contemplação da Beleza achamos possível atingir aquela elevação aprazível da alma, que denominamos Sentimento Poético e que tão facilmente se distingue da Verdade, que é a satisfação da Razão, ou da Paixão, que é o excitamento do coração. Digo que a Beleza, portanto – usando a palavra como abrangendo o sublime –, digo que a Beleza é o domínio do poema, simplesmente porque é regra evidente de Arte que os efeitos deveriam jorrar, tão diretamente quanto possível, de suas causas: e ninguém foi ainda suficientemente imbecil para negar que a elevação particular em apreço é pelo menos mais facilmente atingível no poema. De modo algum se segue, porém, que os incitamentos da Paixão, ou os preceitos do Dever, ou mesmo as lições da Verdade não possam ser introduzidas num poema, e com vantagem; pois eles podem auxiliar, de vários modos, as finalidades gerais do trabalho: mas o verdadeiro artista sempre se esforçará por harmonizá-los, na sujeição conveniente àquela Beleza, que é a atmosfera e a essência real do poema. (POE, 2009; 91)

                  Norma Goldstein (2008), ressalta essa perspectiva ao lembrar que a poesia tem um caráter de oralidade muito importante: ela é feita para ser falada, recitada. E de tal forma que mesmo lida em silêncio se é possível perceber seu lado musical, sonoro. Onde, se esconde no ritmo novos significados para o poema, ou seja, não só na palavra escrita, mas no efeito que ela produz o poeta permeia o sentido que deseja alcançar. Assim surgem as métricas, o compasso, as rimas e o jogo de sons. Tudo ordenado dentro de versos que somados viram a compor a estrofe do poema. Por sua vez, essas estrofes também seguiram uma medida, tercetos, sonetos, etc., ou podem, tantos os versos como as estrofes, serem compostas de forma livre, sem métricas, do mesmo modo que o poeta pode se desobrigar das rimas, criando versos livres, e, ao invés da musicalidade, exercitando somente a poética. Sobre o ritmo e a musicalidade do poema, Poe também ressalta:

O Sentimento Poético, sem dúvida, pode desenvolver-se de vários modos – na Pintura, na Escultura, na Dança – muito especialmente na Música – e muito peculiarmente, com vasto campo, na composição do Ajardinamento Paisagístico. Nosso tema presente, porém, só se relaciona com a sua manifestação em palavras. E aqui permiti-me que fale em síntese sobre a questão do ritmo. Contentando-me com a certeza de que a Música, em seus vários modos de metro, ritmo e rima, é de tão grande importância na Poesia que nunca poderá ser sabiamente rejeitada, e tão vitalmente auxiliar dela que se torna simplesmente tolo quem declina de sua assistência (...) É na música, talvez, que mais de perto a alma atinge o grande fim pelo qual luta, quando inspirada pelo Sentimento Poético – a criação da suprema Beleza. Pode-se dar, realmente, que aí esse sublime fim seja, de vez em quando, atingido de Jato. Somos muitas vezes levados a sentir, com prazer calafriante, que de uma harpa terrena irrompem notas que não podem deixar de ser familiares aos anjos. E assim pouca dúvida pode existir de que, na união da Poesia com a Música, em seu sentido popular, encontraremos o mais vasto campo para o desenvolvimento poético. (POE, 2009; 90) 

                   Na busca dessa sonoridade encontramos a rima, que a maneira elaborada de ordenar sons que se assemelham em versos criando o efeito musical do poema. Somada à metrificação se dará o ritmo do poema. Sobre rima fala Oscar Wilde:

A rima, esse adorável eco, que nas quebradas da Musa, além da própria voz, cria também sua expressão; a rima que, nas mãos de um verdadeiro artista, é, não somente um elemento material da beleza métrica, mas também um motivo espiritual de pensamento e paixão, pois que desperta novos horizontes intelectuais, ergue as ideias e, por sua doçura e sua sugestão, abre os batentes de ouro nos quais em vão já havia batido a própria imaginação; a rima, que transforma em linguagem dos deuses a eloquência humana; a rima, única corda que acrescentamos à lira dos gregos (WILDE, 1994; 94) 

              Ao optar por não utilizar a rima, surge o poema de versos brancos, no qual o autor se preocupa com a escolha das palavras que tão somente infiram de modo mais agudo seu sentimento ou impressão. Da mesma forma, o poeta pode abrir mão da metrificação, um recurso muito usado pelos poetas modernistas, compondo versos livres. E tão complexa é a formação do poema que ele se abre para muitas vertentes de imagens e significados, todos filtrados segundo a visão do próprio autor, mas jamais encerradas dentro de um contexto definitivo. Assim, é possível que um poema de cem anos tenha significados diferentes hoje para pessoas diferentes, sem seguir a mesma conotação que tinha para os homens e talvez até para o próprio poeta da época. Isso porque o poema trabalha com uma forma intimista que atinge a todos os homens, o que podemos chamar de poesia. Ferreira Gullar diz: 

Não pode nenhum poeta – nem ninguém – ter a pretensão de estabelecer rumos e regras para a poesia. Não resta dúvida de que a poesia, como qualquer outro fenômeno social, está sujeita a determinações do espaço e do tempo históricos mas o modo como essas determinações atuam sobre a produção do poema é absolutamente impossível de prever-se. (...) A imprevisibilidade a que me referi decorre, não apenas do fato de que, neste campo, as relações de causa e efeito se dão através de complexíssimas meditações, mas também devido a intervenção de um fator individual que é a personalidade do escritor. (...) Reside na inesgotável riqueza das interações dessa personalidade com o universo de significações sociais, afetivas e culturais, a possibilidade de surgimento da obra poética. (Gullar, 2006)

Poema X Poesia


              Muito já se discutiu sobre o que vem a ser poesia. Segundo Hênio Tavares (2002), a manifestação que toda obra de arte exerce no intimo, na alma de cada homem, a capacidade de comover pela beleza, ou seja, diferente do poema que é um gênero regido por regras literárias, a poesia é uma manifestação abstrata e absolutamente pessoal do sensível no espírito do homem, não estando ligado exclusivamente a literatura. Assim, diz-se que a poesia nasceu do instinto incontrolável do homem de tecer seus sentimentos, que são manifestações abstratas, dentro de cadeias tangíveis que lhes tornassem perceptíveis a outrem – o corpo da arte –, guiado por outra faculdade primária humana: a da comunicação. Ordenando o abstrato – o sensível –, dentro de formas, nascia o poema, a música, a pintura, e assim por diante. A arte e a filosofia são resultado da busca do homem por traduzir o mundo que vê, o mundo que não vê e o mundo que sente. A lira que embalava o artista na era clássica nada mais era que a voz do Ser íntimo, a porção exata do universo interno de quem por versos se anunciava enquanto existência ao universo. A própria palavra Lírica que deriva do instrumento, concerne ao Eu que habita somente o interior do homem (poeta) e se origina dessa primeira manifestação poética, sendo a própria poesia a capacidade máxima do Ser traduzir-se em uma medida racional, onde tudo que é abstrato, tudo que é sensível, tudo que é veemente e sublime ao espírito, terno, doce e aterrador ao coração, faz-se explícito na forma, no ritmo e na textura do poema. A arte que conta, que revela, que faz síntese, é a representação do homem, seu interior, sentimentos, pensamentos, desejos, medos, anseios; é a representação do homem sobre o mundo, do mundo sobre o homem e não obstante a representação do próprio mundo. Ao fazer arte, em especial a poesia, está o Ser tomando a medida exata de si mesmo, sem deixar de tornar-se maior. Está se revelando, se descobrindo e sendo. Por sua vez, a ordenação racional do sensível que vem a ser a arte, cria, entre as muitas faces da arte, o poema, que é a forma literária, ou seja, a arte da palavra, em que se manifesta com maior afinco os elementos da poesia, seguindo normas e conceitos próprios que o diferencia das demais formas literárias.
Boa noite, pessoa (não sei se isso será lido por alguém um dia). Fuçando aqui e ali pela net observei algo relativamente desanimador: a maior parte dos blogs giram em torno de literatura para vestibular ou literatura mais modinha, best-seller, enfim. Achei que seria interessante começar um blog dentro do universo das Letras e da Literatura que fosse um pouco mais voltado para uma galera com um gosto mais direcionado para o mundo acadêmico ou para um literatura menos "popular". Ou seja, isso!, esse blog!, espero que fique legal o/ (e que eu tenha tempo e determinação para seguir em frente com ele). Vamos lá!