Aos profissionais da moda, com licença,
mas é preciso dizer que o Medo é uma forte tendência para a próxima estação. E
nem se trata das velhas fobias que a sociedade moderna coleciona aos montes no
armário, ou da constante tensão provocada pela irradiação progressiva da
violência. Trata-se de algo mais focalizado, de um Medo refinado, direcionado e
louvado pelos meios de comunicações, que vem e que passa, como as estações das
frutas. Trata-se das tendências à paranoia que emergem e desaparecem ao menos
duas vezes ao ano, sempre diferentes, sempre terríveis, sempre proclamando o
final dos tempos, o apocalipse, a decadência iminente da sociedade, a falta de
Jesus no coração e todos os males causados pela escassez de sexo. E pronto! Lá
vão todos os especialistas das sortes mais obscuras desfilarem sua verborragia
prolixa sobre o problema generalizado, ao fundo musical a lá Hitchcock,
terminando em um crescente lacrimoso com as vítimas sobreviventes do terror.
Não basta serem vítimas ou algozes, é preciso se tornar celebridade!
E nessa indústria que nunca dorme, a
última tendência começou em uma escola no Rio de Janeiro: um jovem armado
atirou à sangue frio em vários amiguinhos, provocando várias mortes. Ó, céus!
Que terrível! A nação está chocada! É preciso fazer todo um reality show sobre a catástrofe, 24
horas inteiras de cobertura imparcial, ao som de músicas tristes, apelos
chorosos de mães em busca de justiça e a foto do meliante elevada às proporções
do macabro: “olhe esse cara, com certeza ele é um assassino!”. Tragam os
especialistas para discutirem o caso. Revivam a catástrofe de novo e de novo e
de novo. Vejam, está é a melhor reconstrução da tragédia. Nova palavra nacional
favorita: tragédia. No facebook já
começam as correntes, fotos do assassino, pedidos de oração para as famílias
das vítimas, convites ao criminoso para visitar Brasília. No rádio o top 10 é a
biografia detalhada do assassino. Que tragédia, que tragédia! Só parem de
pensar sobre isso no horário da novela. Mas, no outro canal, o ancora adverte:
“as cenas que se seguem são chocantes, crianças e pessoas com problemas
cardíacos devem mudar de canal.” Um gesto altruísta e desinteressado, que por
coincidência eleva o ibope aos céus. Mas voltemos aos estilistas do Medo, os
especialistas convocados para os programas “família” da manha: o psicólogo, o
psiquiatra, o policial, o professor, o padre, o pai de santo, o representante
do movimento gay no Amazonas. Todos com opiniões fortes para compartilhar e
ideias batidas totalmente inéditas, seguida de um minucioso retrato da psique
de um psicopata: nova palavra nacional favorita, psicopata! E de repente, vagas
imensas da massa do público se tornam, da noite para o dia, especialistas em
psicopatia. Os professores reconhecem ao menos dois psicopatas por cada turma.
O açougueiro reconhece pelo menos metade dos seus fregueses. Os vereadores
decidem não mais fazerem sessões na câmara, porque com certeza os
representantes da oposição são psicopatas!
Mas vejam o que aconteceu em uma certa
universidade do interior do estado, uma tal de Fafipa. Ouvem-se gritos, certa
movimentação, a policia é chamada: ora, alguém morreu? Não! Infelizmente ainda
não, mas pior! Um psicopata foi identificado pelas centenas de especialistas
formados pela televisão.
Lá vai ele,
marchando pelos corredores olhando para o chão e em passos fortes e rápidos,
ostentando sua barba assustadora e um penteado ao estilo Renato Russo. Como
sabem que ele é psicopata? Você não soube? Minha prima disse que uma colega de
classe da irmã dela disse que a tia da sua cunhada disse que o namorado do
irmão mais velho do vizinho, que faz Letras, viu na página do Orkut dele todo
tipo de mensagens politicas e religiosas extremistas, dizendo que gostou do que
aquele primeiro psicopata fez no Rio de Janeiro e que quer repetir na Fafipa!
Só falta que exista uma comunidade só para psicopatas no Orkut: Psicopatas do
Brasil. Mas você viu o Orkut dele, não, mas eu acredito na minha prima!
Agora é oficial,
basta o psicopata da Fafipa sair aos corredores e todos os alunos, de tanto
medo e por estarem completamente apavorados, correm até às portas de suas salas
para verem-no passar. É ele, é ele, que medo!, que medo!. De repente começam os
gritos. Uma mocinha linda e um pouco carente entra trêmula e ofegante, dizendo:
“eu o vi.” Imediatamente se forma um grupo ao redor dela para perguntar detalhes,
quando uma segunda mocinha linda e um pouco carente começa a chorar: “ele
passou por mim, ele vai me matar!” O grupo instantaneamente se desloca da
primeira mocinha linda e um pouco carente para a segunda. A primeira, ainda
desolada e agora sem público começa a gritar e arrancar os cabelos
inconsolável: “e se ele me matar?” O grupo volta correndo para ampará-la,
quando a segunda subitamente desmaia!
E como ele faz para
marcar as vítimas? Eis uma pergunta complexa, pois ele usa um método de
possível inserção psicofísica de validação da inércia: ele esbarra em suas
vítimas! Se você trombar com ele no corredor comece a orar à Deus, ao Buda, à
Alá, aos orixás, ao Olimpo, porque você irá com toda certeza absoluta do
universo morrer! Mas o pior só acontece por último: uma data é marcada na
parede do banheiro masculino! Por dedos invisíveis como na bíblia? Não, de modo
ainda mais impressionante: com errorex!
E nessa data todos já sabem: é o dia da colheita! Ele virá armado até os
dentes, com duas metralhadoras, um fuzil, vinte granadas e uma motosserra
elétrica para matar todos os universitários!
Bastou isso para
se iniciar a avalanche de pânico e temores coletivos: alguém deveria pesquisar
isso, seria o Medo algo transmitido pelo ar? Enfim, já não se falava em outra
coisa nos ônibus e grupos de alunos. Só no terrível psicopata – alguém sabe,
por um acaso, como diabos ele se chama? – e na data fatídica onde suas vidas
terminariam. Ninguém pareceu levar em conta que aquele psicopata, apesar de ser
um psicopata, era um sujeito legal, que avisava suas vítimas sobre o dia do seu
ataque para terem tempo assim de colocar suas coisas em ordem antes de deixar
esse mundo. Mais do que isso, pensem a frustração do psicopata ao chegar no dia
marcado e perceber que suas ovelhinhas haviam faltado. Com certeza ele sentaria
no meio-fio do estacionamento, ainda vestindo seu arsenal e começaria a chorar:
“Oh, Deus, eles são tão espertos! Bem que a minha mãe me disse para fazer
Letras ao invés de matar pessoas...” A pressão se tornou tão grande que nem os
professores querem pisar na universidade no dia marcado. Aula vaga em prol da
vida! Isso que é humanitarismo.
Finalmente a
data marcada chega e passa e, nenhuma morte acontece? Os alunos aliviados e
profundamente decepcionados decidem voltar para suas aulas regulares. Nem 24
horas se passam e o terrível pesadelo do psicopata começa a esfriar. Mas
esperem! Quem é aquele rapaz bonito no ponto de ônibus? Meu Deus, é o
psicopata! Ele tirou a barba! E de repente, o terrível inimigo público número
um recebe centenas de solicitações no Facebook.
Ah!, bem que ele podia esbarrar em mim agora... Suspiram as mocinhas lindas e
um pouco carente.
Mas enfim, a época
dos psicopatas passou e agora a moda é queda de aviões. Então, abram seus guarda-chuvas e apertem bem o sinto, porque essa é uma moda que promete decolar!
Seja como for, o que se podemos dizer desse mercado da moda? Voltemos essa noite em silêncio para casa Senhoras e Senhores, porque na passarela da sociedade, quem diria?!, até os psicopatas sofrem de bullying.
Por: André Moreira Felix
Seja como for, o que se podemos dizer desse mercado da moda? Voltemos essa noite em silêncio para casa Senhoras e Senhores, porque na passarela da sociedade, quem diria?!, até os psicopatas sofrem de bullying.
Por: André Moreira Felix
Após o caso do suposto caso do psicopata da Fafipa, ele foi morar na mesma república que eu morava. Deu um monte de problemas e expulsamos ele de lá. E o pior, levou o meu livro do Nietzsche.
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