segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O casamento da chapeuzinho



Era uma vez, há não tanto tempo atrás, uma casa que ficava no meio de uma velha floresta, cercada por uma campina que era como um tapete vivo e um jardim com um manto colorido de flores. A casa, um sobrado amarelo, erguia-se até a copa das árvores mais baixas, e dela, uma música muito alta ecoava por todo silêncio da floresta. Talvez por isso quase não se via animais ao redor da casa, a exceção dos três grandes pitbulls que dormiam preguiçosamente na varanda. O som agudo de guitarras elétricas perfurava a paz da floresta, enquanto a moradora da casa divertia-se surfando pela internet.
A velhinha que morava sozinha naquela casa, gostava desses dias de paz e rock’in’roll, sentada na grande poltrona de couro, os pés levantados em uma pilha de almofadas e uma xícara de chá, cheia até a borda com um gelado suco de limão batizado com vodka repousada ao seu lado. No colo, o notebook aberto visualizava sua página no Facebook. Com um suspiro a boa velhinha disse:
– Que saudades da minha neta, a chapeuzinho vermelho. Bem que ela poderia me mandar ao menos um recado pelo Face. O que será que ela anda fazendo?
Nesse momento o celular em repouso ao lado da xícara na mesa começou a tocar desesperadamente. Com um movimento rápido a boa velhinha lhe atendeu.
– Alô.
– Mamãe, sou eu!
– Querida! Há quanto tempo... Acredita que eu estava agora mesmo olhando um site de compras e pensei em você quando eu vi uma porcelana...
– Mamãe, escute! Não temos tempo para isso! – Interrompeu uma voz desesperada do outro lado, as palavras entrecortadas por uma respiração irregular.
– O que aconteceu querida? – Indagou a velhinha preocupada.
– A chapeuzinho, mamãe... ela... ela... ó meu Deus! Fugiu com o lobo mau!
– O QUÊ?! – Gritou a vovó pondo-se em pé. – Como assim?
– Ela fugiu! Simplesmente sumiu! Levou todas as roupas dela. Eu sabia que aquele baterista daquela banda punk, Os Lobos Maus, era uma má influência.
– Mas como isso aconteceu?
– Eu não sei! Mas ela deixou um bilhete dizendo que ia para a Argentina casar com o lobo!
– Casar? Minha netinha?
– Ao certo aquele cafajeste iludiu a pobrezinha! Minha filha nunca fugiria para se casar por pensamento próprio.
– Tem razão! Algo precisa ser feito. Deixe comigo minha querida. Eu trarei nossa chapeuzinho de volta. – E ao dizer isso desligou o celular.
A vovozinha pôs-se de pé com um salto, e correu até as escadas para o segundo andar, subindo três degraus de cada vez. No corredor, atirou-se para dentro de seu quarto e puxou um pesado baú de debaixo da cama. Abriu-o e tirou uma pesada jaqueta de couro negra, que vestiu por cima do pijama rosa de bolinhas vermelhas. Tirou um par de luvas de couro, e também as calçou. Foi até o banheiro, e com um soco quebrou o espelho da pia, revelando um compartimento secreto onde guardava um grande rifle calibre 50. Pendurou o rifle nas costas e desceu novamente saltando cinco degraus de uma vez as escadas, vestindo a jaqueta sobre o pijama e fazendo um barulho engraçado cada vez que suas pantufas de sapinho pisavam no chão. Antes de sair de casa, todavia, parou e trocou os óculos de leitura que usava por grandes óculos escuros com aro de metal. Assim, vestida para a caça, foi até a garagem, onde sua velha moto, uma Harley Davidson, lhe esperava. Colocou o capacete por cima do bob que usava e montou-a.
– Vou mostrar para esse vira-lata o que os anos 70 me ensinaram. – Disse, tirando um enorme charuto do bolso da jaqueta e o acendendo, levou o charuto aos lábios e deu uma longa baforada, soltando um circulo de fumaça. – Pronto ou não cachorrinho, aí vou eu.
Acelerou, então, sua Harley, fazendo os pneus cantarem e empinando a moto sobre uma única roda, arrebentou a porta da garagem e voou pela estrada.
– Irrá! Como no Woodstock! – Bradou enquanto o vento batia em sua face, fazendo a dentadura vibrar.
Ela pilotou furiosamente, acelerando até suas rodas levitarem, sem diminuir a marcha uma única vez. Ultrapassou vários caminhões, alguns motociclistas que tentaram tirar um racha com ela, três carros de corrida e o trem bala, até que finalmente chegou à Argentina.
Enquanto isso, na capela em que aconteceria o casamento, um desajeito lobo mau, com cabelo moicano, vestindo um terno rasgado nas mangas e com as palavras Cachorro mau tatuado no braço esquerdo, esperava desajeitado, mas com um enorme sorriso no rosto a entrada de sua amada pela nave da igreja. De repente, um trio de guitarristas começaram a tocar a marcha nupcial, e uma jovem vestindo um longo e maravilhoso vestido branco, envolto por seu enorme véu vermelho adentrou a igreja. Todos os convidados, basicamente os membros da banda do lobo, o dono do bar de rock que eles frequentavam e as amigas das lideres de torcida da chapeuzinho, levantaram-se para ver a bela menina entrando. Nesse momento, o dono do bar, um homem muito gordo, careca, com uma barbicha que crescia até o peito, óculos escuros e uma caveira tatuada em cada braço começou a chorar, assoando o nariz no cabelo cumprido do guitarrista da banda do lobo.
Ao chegar ao altar, o lobo tomou a mão de sua noiva, e ambos voltaram-se para o mestre de cerimônias, um anão com cabelo comprido vermelho, unhas grandes pintadas de verde, e uma beca toda ornamentada com pregos. Seguiu-se o sermão emocionante, que comparava o amor à duas motos que correm pela estrada, e o casamento à um show do Pink Floyd, fazendo todo público chorar de emoção.
           – E agora, finalmente – Disse o anão. – Lobo mau, aceita essa bela, linda, maravilhosa, doce, sexy, sarada, poderosa, e radical, jovem, a chapeuzinho, como sua legitima esposa?
            – Auuuuuuuuuuuu! – Assentiu o lobo.
– E você, chapeuzinho, aceita esse pulguento, fedorento, raivoso, desempregado, inútil, e não vacinado, como seu legitimo esposo?
          – Aceito. - Respondeu a jovem encantada.
          – Então, se houver alguém que seja contra este casamento, que fale agora ou cale-se até o divórcio.
         Nesse instante as portas da igreja são arrombadas pela vovó, que adentra a nave da igreja, empinando a moto, e fazendo várias manobras pelo corredor. Ela da uma rabiada, e diz:
        – Eu tenho!
        – Vovó! – Diz chapeuzinho, ao mesmo tempo feliz e surpresa. – O que faz aqui?
        – Não posso permitir que minha única neta se case com esse cão sarnento.
        – Ei, velhota, cão sarnento? Qual é? Eu também tenho sentimentos, sabia?
      – Você vai sentir o meu pé no seu traseiro, vira-lata imundo. – Diz a vovó, colocando todo seu charuto dentro da boca e o mastigando inteiro, engolindo-o por fim. – Vem brincar com a vovó, vem...
       O lobo começa a rir freneticamente, enquanto pobre mocinha diz aos prantos
       – Não vovó, você não entende... Eu amo o lobo mau! 
       – Quieta mocinha, você é jovem demais para saber o que é o amor.
       – Tudo bem cachorrinha. – Intrometeu-se o lobo mau. – Eu resolvo isso em um segundo. – Ele tirou o paletó, revelando o peito musculoso e muito peludo. – Cai dentro velhota.
       – Ora, cão atrevido, como disse John Lennon: “Imagine a minha mão no seu pescoço.”
   E saltou sobre o lobo, pondo-se a surrar-lhe, para espanto do poderoso lobo, que viu-se completamente impotente contra a velhinha que lhe desferia centenas de golpes de Kung Fu. O lobo começou a gritar e ganir, enquanto o som de seus ossos quebrados enchiam a igreja. Todos observavam assustados, tremendo de medo da poderosa velhinha. Por sua vez, a pobre chapeuzinho, assistia a cena horrorizada, sem saber se protegia o amado ou acalmava a vovó. Somente quando a vovó começou a sentir-se muito cansada e o lobo já ia coberto de sangue que ela sacou seu rifle e esbaforida mirou-lhe entre os olhos.
     – Hasta La vista, lobinho. – Disse pausadamente, de tão cansada.
    Mas nesse instante, devido sua idade avançada e o tremendo esforço que colocou em surrar o lobo mau, seu coração já não tão jovem teve um infarto e ela tombou para trás. Desesperada a chapeuzinho acudiu a vovó e em poucos instantes ela estava a caminho do hospital. Todavia, como o lobo já estava muito ferido, o casamento foi adiado até o dia seguinte.
   No outro dia, os convidados estavam novamente em seus lugares, as guitarras soavam românticas outra vez, e o lobo estava em seu lugar, apoiado em muletas e todo enfaixado esperando pela encantadora chapeuzinho que vinha em passos lentos pelo corredor da igreja.

  Novamente, o anão fez seu discurso, quando outra vez as portas da igreja foram abertas com violência, dessa vez por um chute, e uma pálida vovó, carregando um tanque de oxigênio em uma mão, e o soro na outra, adentrou a igreja furiosa, agora vestindo o pijama do hospital e sentindo uma leve brisa bater-lhe por trás.
  – Eu voltei! – Disse, saltando novamente sobre o lobo, que começou a gritar de pânico assim que viu a velhinha, que agora batia-lhe com o tanque de oxigênio.
Entretanto, dessa vez, a chapeuzinho, temendo o pior, pulou sobre o amado, antes que a vovó pudesse surrá-lo ainda mais.
       – Sai daí chapeuzinho. Não posso esfolar esse lobo maldito com você na frente, meu bem. – Falou, tranquilamente a vovó.
       – Nunca! A senhora não entende, eu amo o lobo mau. Se ele precisa morrer, eu morrerei com ele! – Respondeu veementemente.
      – Você morreria por causa desse vira-lata?
      – Sim! Pois mesmo sem ter pedigree, esse cachorro carregou meu coração.
      Diante dessas palavras, e dos olhos marejados de lágrimas da netinha, a doce velhinha sentiu-se ainda mais frágil do que seu estado lhe permitia ser e baixou o tanque de oxigênio.
      – Tem certeza, meu amor? – Perguntou a vovó.
      – Com cada pulga do meu corpo, vovó. – Respondeu a neta, coçando-se por causa das pulgas que pegara do lobo mau.
      – Como posso eu, uma simples dona de casa anarquista e anti-governo, ser contra o amor de uma jovem? Ainda mais da neta que amo tanto?
    – Vovó! – Disse a neta emocionada.
    – Chapeuzinho! – Respondeu a vovó vibrando.
    – Vovó! – Repetiu a neta ainda mais emocionada.
    – Chapeuzinho! – Disse novamente a vovó agora tremendo. – Acho que vou ter outro infarto. – E desmaiou.
   Como a vovó e o lobo estavam agora muito feridos, o casamento novamente foi adiado até o dia seguinte. Mas no outro dia, a igreja novamente cheia, o anão pronto para fazer o seu discurso, um lobo mau em cadeira de rodas em seu lugar, e ao som das guitarras elétricas a doce chapeuzinho vermelho entrou na igreja, sendo conduzida pelo braço por sua avó, que agora vestia um terno roxo, que ia até o chão.

    A cerimônia foi linda, e ao final, quando os noivos beijaram-se, todos na igreja começaram a chorar, incluindo a vovó, que como presente de casamento dera para a neta uma passagem para os dois para uma ilha tropical de nudismo na lua de mel.
     Algum tempo depois, estava novamente a vovó em sua casa, sentada em sua poltrona e surfando na internet quando entrou no Twitter de sua neta e leu o quanto ela estava feliz em sua lua de mel na ilha de nudismo, com uma nota que agradecia em especial sua doce e frágil vovó.
     – Ah, como é bom ser jovem, lembra meus anos de revolução francesa. – Disse saudosista a vovó.
E twitaram felizes para sempre.



Por: André Moreira



Nenhum comentário:

Postar um comentário