Provavelmente uma das melhores
leituras de 2013, Tudo o que tenho levo
comigo (Cia das Letras, 2011), é uma obra extremamente poética e sensível,
ao mesmo tempo que carrega uma carga brutal e terrível. É impossível não ser
seduzido pela escrita da ganhadora do premio Nobel de 2009, Herta Müller, ainda
nas primeiras páginas, onde cada frase, cada detalhe, é calculado de modo a
criar um universo totalmente belo.
A história se passa no final de
1945, numa Romênia pós-guerra dominada pela União Soviética, e começa com a
ordem de Stalin para que os alemães paguem pelos custos da guerra, e com isso
milhares de pessoas são mandadas para campos de trabalhos (o que achei uma
tremenda ironia, uma espécie de justiça poética). O protagonista é Leopol (Leo)
Auberg, um garoto de 17 anos que está em pleno processo de autodescoberta,
experimentando as sensações do homossexualismo. Mas, uma vez que seu prazer
tenha de ser secreto (no país em que vive o homossexualismo é considerado
crime, podendo ser punido com a morte), ele deseja desesperadamente chegar em
um lugar onde ninguém lhe conheça e ele possa ser livre, razão pela qual, a
principio, o campo de trabalhos na União Soviética não parece tão terrível. Todavia, nos cinco
anos que se seguem, os horrores e a bestialidade brutal da vida subumana irá
mudar sua percepção, e, com mais intensidade, irá mudar a si mesmo.
Herta Müller |
É uma história delicada e terrível,
narrada com uma poeticidade belíssima, que toca o leitor até pela escolha das
palavras. É uma história sobre anulação, uma viagem de autodescoberta niilista
que, sob os horrores da repressão, é quase uma sátira ao Bildungsroman, o
romance de formação, criado pelos próprios alemães ainda no século XIX e que é
uma das conquistas romanescas mais louvadas de todos os tempos. Este romance, em
contrapartida, é quase um romance de “desformação”, pois nas palavras do
próprio personagem-narrador, descreve a maneira como o campo de trabalhos vai
apagando o elemento humano.
Entretanto, em nenhum momento o
peso da história contagia a narrativa. Isso porque Müller criou uma forma de
narrar tão leve quando concisa. Suas frases são curtas, chegando a tecer capítulos
de um parágrafo, mas, talvez mais do que com o que conta, os silêncios da
narrativa, aquilo que ela deixa subentendido nas sentenças curtas, é a
verdadeira essência da história. Ao mesmo tempo, ela está sempre buscando
figuras suaves para construir sua imagética: nuvens, cores, anjos; e são essas
figuras que tratam dos aspectos mais terríveis dos fatos, e da onde vem a leveza
do livro. O próprio personagem, Léo, é de uma delicadeza encantadora, e de suas palavras o campo ganha um melancólico tom quase romântico. Trata-se de um poderoso poema em prosa.
Um livro poderoso, que comove e
cativa, que conta sobre um período negro da história, é verdade, mas conta,
mais que tudo, sobre a identidade humana.
"Pequenos tesouros são aqueles em
que está escrito: Aqui estou eu.
Maiores tesouros são aqueles em que
está escrito: Você se lembra.
Os mais belos tesouros, porém, são
aqueles em que se inscreverá: Estive aqui."
– MÜLLER, Herta. Tudo que tenho levo comigo. São Paulo:
Companhia das letras, 2011; 276.
Livro sensível, poético, que foge do lugar comum das obras que se passam durante a Segunda Guerra, mesmo que toque nos pontos mais conhecidos deste período. É o único livro da Herta Muller que eu li. Fiquei fascinada com o seu domínio narrativa, como ela sabe escolher cada palavra e tecer cada frase na medida certa, provocando no leitor o sentimento necessário. Lembra a Elvira Vigna.
ResponderExcluirAbraço!