sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Histórias invisíveis



Existem livros que transcendem todas as classificações. Quando postos em análise é muito difícil determinar em qual estrutura ela esse encaixa. Isso porque seu autor, de alguma forma, conseguiu construir uma estrutura tão complexa ou tão inovadora que desafia os padrões da teoria. É o caso do “romance” As cidades invisíveis (Cia das letras, 2010), do italiano Ítalo Calvino.
Quando comecei a lê-lo, confesso, que não esperava muita coisa. Na verdade, eu havia lido há algum tempo as primeiras páginas, e ele me pareceu um daqueles romances intelectualóides, difíceis de ler e que, a menos que você seja um semiótico com um doutorado, não conseguiria ler muitas páginas sem pegar no sono. E, meu Deus, felizmente, como eu me enganei!
O livro flui em uma velocidade adorável, onde, apesar das descrições sucessivas, conserva muita movimentação e, o que é incrível, mesmo as descrições conseguem prender o leitor, porque mesmo tratando apenas de descrever imagens de cidades, consegue fazer isso de um modo tão original e de um ângulo tão forte, que o leitor é transportado para as cidades fantásticas que Calvino descreve. Os capítulos são todos curtos, o que aumenta o ritmo rápido da leitura. Antes de você se dar conta está preso na história, num verdadeiro frenesi.
Ítalo Calvino
Enfim, a história. O livro conta os diálogos entre o veneziano Marco Pólo e o então imperador da china Kublai Khan (o que realmente aconteceu). Nessas conversar Pólo narra ao imperador as várias cidades fantásticas que visitou em suas viagens pelo globo, sendo que a maioria delas deveria se encontrar nos territórios do próprio Khan. Todavia, como logo fica claro, descobrir quais dessas cidades são reais e quais são frutos da imaginação do narrador se torna impossível (quer dizer, dentro do universo da narrativa, porque algumas cidades são tão fantásticas que só falta surgir um leão falante para guiar criançinhas escolhidas).
Desse modo, as cidades deixam de ser apenas um espaço físico e geográfico para ganhar dimensões muito mais amplas: as cidades são metáforas. E essas metáforas tratam de assuntos que vão desde a natureza humana, desde a complexa relação dos desejos, das paixões, dos sonhos, dos medos, do amor, até os terrenos mais profundos e misteriosos como os da morte. Ao mesmo tempo, já sugeriram alguns teóricos, muitas das cidades tratam apenas da arte de contar histórias, do efeito da poética da narração sobre a mente do ouvinte e da magia da literatura.

Todavia, uma coisa é certa, o livro é uma intrincada viagem ao mundo dos símbolos. Com ares poéticos e ao mesmo tempo filosófico, Ítalo Calvino criou um universo de imagens tão belas e fortes que conseguiu transformar as narrações de Pólo para nós, os leitores de hoje, naquilo que os orientais fizeram mil anos Sherazad, onde o poder das histórias, a magia por detrás dos símbolos a própria natureza humana se entrelaçam, numa grandiosa obra de arte.

"As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa."
- CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. 

Outras capas:



Um comentário:

  1. Gosto muito do Calvino. Lá por 2007, 2008 li alguns livros dele. Mas ainda não li "As cidades invisíveis". Está na lista de próximas leituras.
    Abs,
    Carla.
    www.livrosmaislivros.com.br

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