Existem livros
que transcendem todas as classificações. Quando postos em análise é muito
difícil determinar em qual estrutura ela esse encaixa. Isso porque seu autor,
de alguma forma, conseguiu construir uma estrutura tão complexa ou tão
inovadora que desafia os padrões da teoria. É o caso do “romance” As cidades invisíveis (Cia das letras,
2010), do italiano Ítalo Calvino.
Quando comecei
a lê-lo, confesso, que não esperava muita coisa. Na verdade, eu havia lido há
algum tempo as primeiras páginas, e ele me pareceu um daqueles romances
intelectualóides, difíceis de ler e que, a menos que você seja um semiótico com
um doutorado, não conseguiria ler muitas páginas sem pegar no sono. E, meu
Deus, felizmente, como eu me enganei!
O livro flui
em uma velocidade adorável, onde, apesar das descrições sucessivas, conserva
muita movimentação e, o que é incrível, mesmo as descrições conseguem prender o
leitor, porque mesmo tratando apenas de descrever imagens de cidades, consegue
fazer isso de um modo tão original e de um ângulo tão forte, que o leitor é
transportado para as cidades fantásticas que Calvino descreve. Os capítulos são
todos curtos, o que aumenta o ritmo rápido da leitura. Antes de você se dar
conta está preso na história, num verdadeiro frenesi.
Ítalo Calvino |
Enfim, a
história. O livro conta os diálogos entre o veneziano Marco Pólo e o então
imperador da china Kublai Khan (o que realmente aconteceu). Nessas conversar
Pólo narra ao imperador as várias cidades fantásticas que visitou em suas
viagens pelo globo, sendo que a maioria delas deveria se encontrar nos
territórios do próprio Khan. Todavia, como logo fica claro, descobrir quais
dessas cidades são reais e quais são frutos da imaginação do narrador se torna
impossível (quer dizer, dentro do universo da narrativa, porque algumas cidades
são tão fantásticas que só falta surgir um leão falante para guiar criançinhas
escolhidas).
Desse modo, as
cidades deixam de ser apenas um espaço físico e geográfico para ganhar
dimensões muito mais amplas: as cidades são metáforas. E essas metáforas tratam
de assuntos que vão desde a natureza humana, desde a complexa relação dos
desejos, das paixões, dos sonhos, dos medos, do amor, até os terrenos mais
profundos e misteriosos como os da morte. Ao mesmo tempo, já sugeriram alguns
teóricos, muitas das cidades tratam apenas da arte de contar histórias, do
efeito da poética da narração sobre a mente do ouvinte e da magia da
literatura.
Todavia, uma
coisa é certa, o livro é uma intrincada viagem ao mundo dos símbolos. Com ares
poéticos e ao mesmo tempo filosófico, Ítalo Calvino criou um universo de
imagens tão belas e fortes que conseguiu transformar as narrações de Pólo para
nós, os leitores de hoje, naquilo que os orientais fizeram mil anos Sherazad,
onde o poder das histórias, a magia por detrás dos símbolos a própria natureza
humana se entrelaçam, numa grandiosa obra de arte.
"As cidades, como os sonhos, são
construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja
secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e
que todas as coisas escondam uma outra coisa."
- CALVINO, Italo. As cidades invisíveis.
Outras capas:
Gosto muito do Calvino. Lá por 2007, 2008 li alguns livros dele. Mas ainda não li "As cidades invisíveis". Está na lista de próximas leituras.
ResponderExcluirAbs,
Carla.
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