Orwell é famoso entre os leitores
brasileiros por 1984 e A revolução dos bichos. Não é para
menos. As duas obras estão entre as cem obras mais aclamadas do Século XX, em
várias listas literárias importantes. Mas, não é preciso falar que não são os
únicos trabalho do autor inglês, conhecido por sua convicção inabalável naquilo
que acreditava. Marxista e militante de esquerda ferrenho, participou de várias
incursões por seus ideias, indo desde conflitos armados até posicionamentos
extremamente pessoais. E é em seu livro, menos conhecido, mas igualmente
notório, A flor da Inglaterra (Keep the
aspidistra flying) que ele ataca diretamente o centro da filosofia
capitalista inglesa.
Publicado em 1936, o livro apresenta ao
leitor um protagonista digno de um personagem de Dostoievski. Gordon Comstock é
um aspirante à poeta e um verdadeiro Raskólnikov
orwelliano (detalhe, “orwelliano” é uma palavra da língua portuguesa, cunhada
com base nas obras de Orwell, e normalmente remetem a estados totalitários ou
personagens esmagados pelo sistema hermético), sua personalidade, assim como a
do protagonista de Crime e castigo é
para lá de complexa, mudando no decorrer da narração do detestável para o
odioso e finalmente para o ignóbil. Um verdadeiro anti-herói do submundo de
Londres, cujo único objetivo na vida é lutar contra o dinheiro.
Exatamente, o dinheiro!, e tudo o que
ele representa – que no livro é retratado na figura da aspidistra, planta comum
nas casas de classe média britânicas, que simbolizam a mediocridade da vida
burguesa – fugindo das imposições sociais que visão moldar e decepar a
autonomia do sujeito.
George Orwell |
Vive então entre a hipocondria e a
misantropia, fechado numa atmosfera febril e não sem alguns delírios. Ao longo da
narrativa, vai mudando de casas que vão de em péssimas condições para
inabitáveis, enquanto suas roupas deterioram e ele fica sem folhas de papel
para escrever. Ainda assim, persiste em sua luta contra o sistema, ignorando os
apelos de sua namorada e seu melhor (único) amigo. Personagens estes, que muito
lembram os demais heróis do romancista russo (ah! Gordon também tem uma irmã!).
Mas o parentesco com os russos (que
sempre acabam de algum modo como temas das obras de Orwell), não é acidental.
Assim como Raskólnikov era uma crítica a juventude dos tempos de Dostoiévski,
Gordon é uma sátira extremamente ácida dos conceitos capitalistas do tempo de
Orwell. E não é só essa a semelhança. Na verdade o romance está recheado de
alusões ao Crime e Castigo, o próprio
perfil dos personagens lembram isso: o anti-herói hipocondríaco e com uma
personalidade instável que no final consegue se redimir, o amigo do herói que
apesar de seu comportamento não o abandona, a irmã que se sacrifica
incondicionalmente pelo amigo e a mulher tão pura de coração que o ama apesar
de Gordon ser um ranzinza patológico.
Entretanto, apesar do parentesco com o
romance do escritor russo, A flor da
Inglaterra é uma sátira envolvente e densa, repleta de humor negro que, da
melhor forma, faz o leitor rir e se chocar.
O dinheiro é o que Deus já foi. O
bem e mau não significam mais nada, a não ser fracasso ou sucesso. (...) O
decálogo fora reduzido a dois mandamentos. Um para os patrões – os eleitos, a
casta sacerdotal do dinheiro, por assim dizer, – “ganharás dinheiro”; e outro
para os empregados – seus escravos e subordinados, – “Não perderás o teu
emprego”.
- George Orwell. A flor da Inglaterra.
Outras capas:
Foi lançado no Brasil também sob o título de Mantenha o Sistema. Edição Itatiaia Editora |
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