quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A poesia de Paulo Leminski


Esse ano todo mercado editorial foi pego por uma (feliz) surpresa dentro da cobiçada lista dos livros mais vendidos. Isso porque, entre os mais vendidos, e mesmo chegando a posição de o mais vendido, figurou um livro nacional – o que em si não é tão assombroso assim – e que também é um livro de poesia, e isso sim é espantoso. Por quê? Porque poesia não é gênero que costumeiramente atrai leitores. Muito pelo contrário, o número de pessoas que lêem poemas é bastante inferior ao de leitores de romances e crônicas, por exemplo. E outro fato que merece ser citado aqui, antes de entrarmos dentro desse tão inesperado livro de sucesso, é a qualidade do livro nacional entre os mais vendidos. Isso mesmo, porque em uma lista onde figuravam nomes como 50 tons de cinza e algumas outras modinhas adolescentes, um livro de Literatura com “L” maiúsculo é um verdadeiro fenômeno (Sinal de vida literária inteligente voltando a esse país? Só o tempo dirá).
Paulo Leminski
Esse livro tão incomum não é nenhum outro alem do lançamento da Companhia das Letras Toda Poesia, que reúne o trabalho poético completo do escritor e poeta paranaense (isso mesmo gente, o poeta é daqui) Paulo Leminski. (E ainda existe os que dizem que não temos uma literatura nossa).

Leminski foi um homem de muitas faces. Músico, lutador de Karatê, tradutor, poeta e escritor (aposto que muita gente não sabia que o curitibano também escreveu prosa, na verdade Leminski era um romancista que tinha pretensões à um James Joyce, mas vamos deixar essa história para outra hora). Sua poética constituí toda complexa estrutura dos movimentos literário dos anos 70-90. Influenciado por várias escolas que tentavam ascender, sua poesia passou por vários momentos, todavia, sem jamais perder as características que fazem o poema leminskiano ser inconfundível. Fortemente influenciado pelo tropicalismo (movimento que foi, inclusive, um dos nomes mais fortes) sua poesia apresentava uma linguagem desembaraçada, que justamente por isso encanta até hoje.
A medida que os poemas e os anos avançam, o que se tem é um balanço do próprio autor, que verso a verso vai se consolidando e modificando, se tornando mais profundo e ao mesmo tempo mais melancólico. Apesar de seu tom brincalhão e malandro disfarçar bem essa face do poeta, o Ex-Estranho que fala em um dos últimos livros é uma voz desiludida e solitária, mas que faz dessa solidão e desolação algo leve e divertido.
Esse livro foi um achado feliz, de uma das líricas mais ricas e leves da história de nossa poesia. Seu sucesso tardio é mais do que merecido.

Aviso aos náufragos

Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?

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