sábado, 15 de junho de 2013

Poema: estrutura e conceito


                O poema é ao certo o gênero de maior complexidade. Não apenas pelo seu trato sobre a linguagem, que é sempre a mais bem trabalhada, mas por seu próprio sentido subjetivo e sua forma de dizer sem que realmente chegue a fazê-lo. Sua complexidade é tamanha que não raramente encontramos mais estudos publicados na área da prosa que dos versos, e também são poucos os professores que se aventuram nesse campo em sala de aula, justamente por conhecerem seus riscos. Mas o poema, que é sempre uma forma extremamente atual de expressão é também um processo de produção antigo da humanidade. Desde a antiguidade encontramos os ecos do que seria o poema como concebemos hoje. Já fora o poema uma peça da liturgia pagã, já ocupou a difícil tarefa de narrar os feitos grandiosos dos povos e também já teve seu lugar de exclusividade nos palcos, antes de ganhar um “eu lírico” e incorporar a voz extremamente intimista do poeta e, ao fazê-lo, o eu lírico também sofreu mudanças, ganhando novos nuances de versos e novos tecidos com os quais cria o material da poesia, até chegar ao ponto em que identificamos como poesia contemporânea. Tão logo, observa-se que o poema acompanhou as mudanças sociais e intelectuais de sua época, vindo diretamente da necessidade primaria do homem de expressar sentimentos abstratos dentro de uma cadeia tangível e tornar o indelével em arte, que é também a essência de toda manifestação artística. Mesmo ao retratar um fato concreto, em primeiro momento o autor sempre lida com o abstrato. Nas palavras de Oscar Wilde:

A Arte começa com a decoração abstrata, com um trabalho puramente imaginativo e agradável, não se aplicando senão ao irreal, ao não-existente. É o primeiro grau. Em seguida a Vida, que fascina esta nova maravilha, solicita admissão ao círculo encantado. A Arte apanha a Vida entre os materiais brutos, fá-la de novo, refunde-a sob novas formas e, absolutamente indiferente ao próprio fato, inventa, imagina, sonha, e conserva entre ele e a realidade uma barreira intransponível de belo estilo, de método ou ideal. (WILDE, 1994; 39) 

          Assim nasce o poema, que é a arte que se manifesta pela palavra. Segundo Alfredo Bosi (2000), ao se construir um objeto semântico, a consciência, através do poema e de uma situação já interiorizada, dotada de uma “atmosfera” afetiva e tonal, se diferencia à medida que o escritor sondar a própria memória e der contorno e relevo à intuição. Seu poema acabado transmite a impressão de um todo unificado não se deve a uma pretensa simplicidade original, mas sim ao poder de síntese do poeta, que, pela ação da forma expressiva, criou a diversidade dos particulares, explorou as suas ambigüidades e contradições produzindo aquele efeito único reclamado por Poe na Filosofia da Composição (2009) como escreveu O Corvo. Nos seus ensaios Poe observa que um poema só merece esse título enquanto emociona elevando a alma e que a Poesia é a criação rítmica da beleza. É na música, talvez, que mais de perto a alma atinge o grande fim pelo qual luta, quando inspirada pelo sentimento poético. Ele diz: 

Somente na contemplação da Beleza achamos possível atingir aquela elevação aprazível da alma, que denominamos Sentimento Poético e que tão facilmente se distingue da Verdade, que é a satisfação da Razão, ou da Paixão, que é o excitamento do coração. Digo que a Beleza, portanto – usando a palavra como abrangendo o sublime –, digo que a Beleza é o domínio do poema, simplesmente porque é regra evidente de Arte que os efeitos deveriam jorrar, tão diretamente quanto possível, de suas causas: e ninguém foi ainda suficientemente imbecil para negar que a elevação particular em apreço é pelo menos mais facilmente atingível no poema. De modo algum se segue, porém, que os incitamentos da Paixão, ou os preceitos do Dever, ou mesmo as lições da Verdade não possam ser introduzidas num poema, e com vantagem; pois eles podem auxiliar, de vários modos, as finalidades gerais do trabalho: mas o verdadeiro artista sempre se esforçará por harmonizá-los, na sujeição conveniente àquela Beleza, que é a atmosfera e a essência real do poema. (POE, 2009; 91)

                  Norma Goldstein (2008), ressalta essa perspectiva ao lembrar que a poesia tem um caráter de oralidade muito importante: ela é feita para ser falada, recitada. E de tal forma que mesmo lida em silêncio se é possível perceber seu lado musical, sonoro. Onde, se esconde no ritmo novos significados para o poema, ou seja, não só na palavra escrita, mas no efeito que ela produz o poeta permeia o sentido que deseja alcançar. Assim surgem as métricas, o compasso, as rimas e o jogo de sons. Tudo ordenado dentro de versos que somados viram a compor a estrofe do poema. Por sua vez, essas estrofes também seguiram uma medida, tercetos, sonetos, etc., ou podem, tantos os versos como as estrofes, serem compostas de forma livre, sem métricas, do mesmo modo que o poeta pode se desobrigar das rimas, criando versos livres, e, ao invés da musicalidade, exercitando somente a poética. Sobre o ritmo e a musicalidade do poema, Poe também ressalta:

O Sentimento Poético, sem dúvida, pode desenvolver-se de vários modos – na Pintura, na Escultura, na Dança – muito especialmente na Música – e muito peculiarmente, com vasto campo, na composição do Ajardinamento Paisagístico. Nosso tema presente, porém, só se relaciona com a sua manifestação em palavras. E aqui permiti-me que fale em síntese sobre a questão do ritmo. Contentando-me com a certeza de que a Música, em seus vários modos de metro, ritmo e rima, é de tão grande importância na Poesia que nunca poderá ser sabiamente rejeitada, e tão vitalmente auxiliar dela que se torna simplesmente tolo quem declina de sua assistência (...) É na música, talvez, que mais de perto a alma atinge o grande fim pelo qual luta, quando inspirada pelo Sentimento Poético – a criação da suprema Beleza. Pode-se dar, realmente, que aí esse sublime fim seja, de vez em quando, atingido de Jato. Somos muitas vezes levados a sentir, com prazer calafriante, que de uma harpa terrena irrompem notas que não podem deixar de ser familiares aos anjos. E assim pouca dúvida pode existir de que, na união da Poesia com a Música, em seu sentido popular, encontraremos o mais vasto campo para o desenvolvimento poético. (POE, 2009; 90) 

                   Na busca dessa sonoridade encontramos a rima, que a maneira elaborada de ordenar sons que se assemelham em versos criando o efeito musical do poema. Somada à metrificação se dará o ritmo do poema. Sobre rima fala Oscar Wilde:

A rima, esse adorável eco, que nas quebradas da Musa, além da própria voz, cria também sua expressão; a rima que, nas mãos de um verdadeiro artista, é, não somente um elemento material da beleza métrica, mas também um motivo espiritual de pensamento e paixão, pois que desperta novos horizontes intelectuais, ergue as ideias e, por sua doçura e sua sugestão, abre os batentes de ouro nos quais em vão já havia batido a própria imaginação; a rima, que transforma em linguagem dos deuses a eloquência humana; a rima, única corda que acrescentamos à lira dos gregos (WILDE, 1994; 94) 

              Ao optar por não utilizar a rima, surge o poema de versos brancos, no qual o autor se preocupa com a escolha das palavras que tão somente infiram de modo mais agudo seu sentimento ou impressão. Da mesma forma, o poeta pode abrir mão da metrificação, um recurso muito usado pelos poetas modernistas, compondo versos livres. E tão complexa é a formação do poema que ele se abre para muitas vertentes de imagens e significados, todos filtrados segundo a visão do próprio autor, mas jamais encerradas dentro de um contexto definitivo. Assim, é possível que um poema de cem anos tenha significados diferentes hoje para pessoas diferentes, sem seguir a mesma conotação que tinha para os homens e talvez até para o próprio poeta da época. Isso porque o poema trabalha com uma forma intimista que atinge a todos os homens, o que podemos chamar de poesia. Ferreira Gullar diz: 

Não pode nenhum poeta – nem ninguém – ter a pretensão de estabelecer rumos e regras para a poesia. Não resta dúvida de que a poesia, como qualquer outro fenômeno social, está sujeita a determinações do espaço e do tempo históricos mas o modo como essas determinações atuam sobre a produção do poema é absolutamente impossível de prever-se. (...) A imprevisibilidade a que me referi decorre, não apenas do fato de que, neste campo, as relações de causa e efeito se dão através de complexíssimas meditações, mas também devido a intervenção de um fator individual que é a personalidade do escritor. (...) Reside na inesgotável riqueza das interações dessa personalidade com o universo de significações sociais, afetivas e culturais, a possibilidade de surgimento da obra poética. (Gullar, 2006)

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