sábado, 15 de junho de 2013

Os medos de Lucas


O livro Seis vezes Lucas, escrito pela escritora carioca Lygia Bojunga, ganhadora do prêmio Astrid Lindgren, é o primeiro título de sua fase cinzenta, fase está, melancólica que é uma preparação para a vida e para a morte, e narra em seis capítulos as desventuras do pequeno Lucas. Uma criança retraída, tímida, cercada pela frieza do mundo adulto e pela indiferença dos pais, quais, na maior parte das vezes, acabam por ser os grandes vilões da obra. Escrito em 1995, uma época em que muito se discutia os direitos da criança no Brasil, a autora visa denunciar a falta de atenção para com as crianças, bem como certos cuidados por parte dos pais. O livro recebeu vários prêmios, entre eles o prêmio Jabuti, concedido pela Câmera Brasileira do Livro em 1996. Na obra, que se passa no decorrer de quase um ano em espaços abertos e fechados, Lucas se vê confinado em seu problema de relacionamento com os pais, o qual desperta na criança profundos medos, intensos, que o fazem um personagem assustado, em constante dilema de identidade, cujo dentre os medos cultivados estão o medo de ficar sozinho em casa de noite, o medo da solidão, o medo de mudanças, o medo de “não gostar mais de gostar do pai.” Medos esses que ele tenta desesperadoramente reprimir durante a obra para agradar o pai, qual afirma que homens não choram, nem podem ter medos. Isso, por sua vez, faz com que esses medos se manifestem na forma da “Coisa”. Uma forma de dor física que ataca com diferentes graus de intensidade partes do corpo do pequeno Lucas. 
           Dentre as ferramentas que Lucas encontra para enfrentar o medo estão a arte e um cachorro vira-lata chamado Timorato. Primeiramente, valendo-se de massa de modelar vermelha, uma cor intensa, enérgica, muito diferente do próprio Lucas, tímido e retraído, Ele produz uma máscara, “a cara”, qual é sorridente, um sorriso com capacidade de “conquistar o medo”, e que inspira em Lucas um espírito sem medo de ficar sozinho. Todavia, essa máscara também lhe é tirada pelo Pai, transformando Lucas mais uma vez em um garoto medroso. Lucas encontra então outra forma de combater seus medos, agora através da figura do que ele supunha ser o amigo ideal: Um cachorro. Qual ele pede ao Pai com tanto siso que acaba por aborrecê-lo, ainda que este faça uma promessa de lhe conceder um cachorro no aniversário, desde que não seja mais importunado com esse assunto pelo filho. Este aceita os termos do Pai e aguarda ansiosamente pelo presente no aniversário. Entretanto, o que recebe são chocolates do Pai, que esquecera completamente da promessa. Levado pelo constrangimento do choro do filho, qual se tranca no banheiro durante sua festa, porém, o Pai sai em busca de um cachorro para o filho, apanhando um vira-lata qualquer na rua. Mesmo assim, o animal acaba se tornando o melhor “brinquedo” que o filho já ganhara. Brinquedo que come e dorme e recebe o nome de Timorato. O então vira-lata passa por um processo de antropomorfização, deixando de ser um cão de rua para se tornar um morador de classe média à imagem e semelhança de seu dono, qual, conforme ia confidenciando-lhe seus medos, ia incutindo no cachorro os mesmos. 

        Timorato perde assim o espírito valente que se supõe pertencer aos cães de rua, quais sem donos nem mimos precisam buscar o próprio sustento e fugir dos perigos naturais da vida. Torna-se um cachorro medroso, inquieto na ausência de seu dono, como se o medo de ficar sozinho até então de Lucas tornasse-se seu. Lucas por sua vez aparenta grande melhora de comportamento agora que tem um amigo leal para lhe dar apoio. Entretanto, o medo do cão termina por irritar o pai, qual saturado pela presença agora incomoda do animal decide soltá-lo à própria sorte em uma estrada, bem diante do assustado e ferido Lucas, que enxerga com os olhos marejados o amigo ficar para trás. Resta ao jovem Lucas agora, apenas o conforto de sua primeira paixão, Lenor, que em grego quer dizer “a compassiva”, sua professora da escola de artes, na qual encontra certo carinho que lhe falta em casa, e para quem também confecciona uma máscara de presente. Mas tem novamente outro golpe quando percebe o interesse do Pai na professora, qual passa a ser enganada por esse. Lucas passa a imaginar como seria o lugar para onde o Pai levaria Lenor para dançar, lugar que ele idealiza pelo nome de terraço e passa a freqüentar em imaginação por algumas vezes. Alheia a esse fato, finalmente a Mãe de Lucas, uma mulher passiva e submissa a vontade do Pai, e completamente apaixonada por esse ao ponto de esquecer-se do filho, cansa-se das traições do marido e decide ir embora junto com o filho para o sitio da tia Elisa. O Pai, embora até então visto pelo filho como um homem bonito e vaidoso, toma novamente sua postura machista pondo-se contra essa idéia, e tentando convencer o filho a não seguir a Mãe. Mas indiferente aos esforços do Pai, Lucas parte com a mãe para o período que aparenta ser o mais feliz de Lucas.
                   Esse período de felicidade, entretanto, termina com a volta do Pai, o qual cheio de promessas leva sua Mãe, cegamente, a decidir retornar para a cidade com o filho. Pela primeira vez Lucas exprime sua indignação, enquanto indaga a mãe “e eu?”, antes de fugir para a mata do sitio, onde se perde e passa uma noite terrível, em companhia da “coisa”. Em pesadelo, ele revê Timorato, o fiel amigo que aparece em seu socorro até nos sonhos, para enfrentar “a coisa”, em uma batalha que termina com a destruição desse “medo”, onde são trazidos novamente os choros de Lucas, choros antigos, acumulados por anos e anos de repressão por parte do Pai. E ali, enquanto chora, Lucas abandona, junto com os medos, junto com as lágrimas, junto com Timorato, sua infância, qual morre para dar lugar a um novo Lucas. Um Lucas sem medo, mais maduro e experiente e um tanto frio, ao ponto de, ao ser inquirido pelo Pai se estava tudo bem, quando sequer sabia como ainda poderia vir a viver e gostar do pai, ele afirma positivamente. Ou quando, ao se deparar com a paixão cega da mãe e sua enganada professora ele se limita a concluir: “pensei que gente grande sacava melhor.” Nessa maravilhosa obra de Lygia Bojunga, encontrasse os sentimentos como principal fator da formação da identidade de Lucas. Os quais, constantemente conflitados pelas ações dos pais, ironicamente os símbolos de razão e afeto dos filhos, terminam por criar um Lucas cético e mesmo frustrado. Ressaltando a importância dos laços afetivos e familiares, Bojunga faz cada leitor se encontrar com uma porção de suas próprias experiências e encerra marcando cada um com uma verdade que muitas vezes deixamos por ignorar fora da ficção, forçando-nos a pensar sobre elas, as vezes com suspiros agradáveis, as vezes com lágrimas.

Um comentário:

  1. Oi. Descobri seu site hoje. Minha filha leu esse livro ontem e acompanhei uns capítulos. Fiquei na dúvida para qual idade seria recomendado. Obrigada e continue com está página!

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