Esperando Godot. Cosac Naify, 2009. |
Teatro não é minha área, mas, como todo
bom curioso, sempre tento ler o máximo de coisas novas que consigo. O nome de
Samuel Beckett já figurava na lista de “autores necessários conhecer” já fazia
um tempo. Lendo sobre aquele que teria sido seu período mais criativo, logo
após a Segunda Guerra Mundial, os anos de 1950, me deparei constantemente com o
nome Esperando Godot, escrita em 1952
em um curto período de tempo – segundo o autor ele levou apenas quatro meses
para compô-la – e levada aos palcos em 1953 (não sem dificuldade, porque a peça
era diferente de tudo o que se via na época e ganhou a rejeição de grandes
diretores do teatro francês). Finalmente sob a direção do grande diretor francês
Roger Blin, a peça ganhou os palcos e se afirmou como um marco na história da
arte. Um divisor de águas que mudaria e influenciaria a produção artísticas das
décadas seguintes.
Minha impressão após a leitura (que é rápida,
li toda a peça em poucas horas), acredito, tenha sido muito parecida com a dos
primeiros espectadores. Não é sem algum estranhamento que ocorre o primeiro
contato com o Teatro do Absurdo. As expressões do grotesco aliados ao cômico para
expressar tragicidade, deixam no espectador (leitor) um ar surreal, de choque,
que te põe imediatamente a questionar o sentido da peça. Isso e as enormes
doses de nonsense embutidas nos diálogos
desconexos e construções dramáticas absurdas (hello, teatro do absurdo.. dã!),
fazem você pensar que está deixando algo escapar, compreendendo apenas em
termos a mensagem (o que é justamente a ideia). Essa compreensão pode vir de
uma interpretação tão aberta, tão subjetiva, que nas décadas que seguiram a estreia
da peça – encenada em vários países e línguas – muitas “interpretações” surgiram
dela. Algumas meramente niilistas, outras com verdadeiros encargos de
semiótica, que atribuem à busca pela religiosidade e a figura de Deus, etc. Não
é atoa que a obra impactou e mantem-se viva até hoje.
Mas a ideia do ganhador do Nobel de
Literatura de 1969 é tão profunda quanto opaca, ao mesmo tempo que abrange
tantos aspectos do espírito humano e da humanidade que talvez jamais se esgote.
Samuel Beckett |
Tudo na peça de Samuel Beckett invoca o
vazio: o vazio da vida, do espaço, do tempo, do sentido. Os dois vagabundos chaplinianos
do enredo, são os heróis de uma história onde nada acontece. Vladmir e Estragon
esperam, ao final da tarde, sob uma árvore, em um cenário quase desértico (ou
simplesmente indefinível), de um dia inominável, a chegada de alguém que só é possível
ao espectador (leitor) imaginar quem venha a ser por sua falta de informações
concretas, e este é, claro, o personagem que dá titulo à obra e que, pasme!,
sequer aparece em cena: Godot. Entretanto, a presença de Godot é a única coisa
absoluta no palco (mesmo com sua ausência! Adoro paradoxos!), porque é ela quem
ata a ação (que não existe) de todo enredo. É da espera por Godot, de sua
lealdade cega, que os dois vagabundos se veem atirados num estado de incerteza e
letargia que jamais termina.
Talvez suja a pergunta: “qual o sentido
de ler algo assim?” (É importante dizer que Beckett, ao escrever a peça, pensou
não apenas no sentido teatral da construção, mas também no literário, o próprio
diretor da peça ressaltou isso em uma entrevista, ao dizer que muito que consta
das marcações do autor no roteiro foram idealizados para leitores, não para
atores em cena). E a resposta é simples: a obra trata de um estado
incondicional e indelével a todos os homens da terra! Não é existencialista
pelo absurdo, nem fatalista pelo niilismo, nem qualquer outra coisa, exceto o inevitável
da condição humana: esperar por algo. Estamos todos à espera de algo que talvez
venha: o futuro, o amor, a felicidade. E é incerto e solitário, pois mesmo
acompanhados estamos sozinhos em nossa essência (razão pela qual tanto se
questiona o sentido da vida). A obra escrita no pós-guerra, possuí um encargo
de melancolia acentuado, um pessimismo que, sem o elemento cômico da peça,
seria insuportável. É a história da busca, do absurdo de supor preencher esse
vazio. E se é possível? Beckett não se atreve a responder essa questão.
Permanecem então Gogo e Didi (como os dois vagabundos se dirigem) a esperar
eternamente em suspense por Godot.
Em suma, a peça é cíclica: dois atos,
dois pares de personagem, cada ato termina e começa da mesma forma. Apresentam
os traços característicos que tornaram Beckett um dos escritores mais
importantes do Século XX: a imobilidade, o questionamento da existência. Em
suma, uma obra prima que, após muita meditação e pesquisa, quando compreendida
torna-se parte do leitor, que com certeza, passará a enxergar a influência
beckettiana na arte moderna e contemporânea e, mais que isso, não perderá
jamais a visão de Vladimir e Estragon sob a árvore, ainda esperando Godot.
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