quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Um conto russo


Existe uma expressão muito comum em literatura que se refere a algo com um forte teor de sofrimento dramático como “um romance russo”. Isso porque nenhuma outra literatura captou tão bem as nuances do sofrimento como a literatura russa, com sua força aterradora e sua sutiliza fria. Mas, como Anton Tchekhov nunca escreveu um romance, vamos adaptar o termo recorrente para o estilo no qual Tchekhov foi um mestre: o conto.
Em O assassinato e outras histórias (Editora Abril, 2010), todos os elementos que consagraram o autor russo como um dos mais significativos escritores da literatura mundial veio à tona. A seleção de história (feita pelo tradutor), remete à última fase da produção do autor russo, por isso os contos são mais longos e mais pausados. Apesar de mais extensos que os trabalhos da época de A dama do cachorrinho que lhe imortalizaram, os contos desta antologia não fogem em absoluto da complexa estrutura estética de um original tchekhoviano. Com vozes que invocam o tempo do autor, ele desfila uma série de dramas sociais, que vão desde os pequenos burgueses, como no conto que abre a coletânea, O professor de letras, até as classes mais baixas, os mujiques, nos contos mais terríveis e ao mesmo tempo belos, tal qual o último conto No fundo do barranco.
Anton Tchekhov
É importante dizer que Tchekhov não é um autor de histórias prontas. Seus enredos vão sendo trabalhados sutilmente durante o desenvolver da trama, e com isso Tchekhov “sugere” muitas possibilidades subtendidas na trama. Daí a textura dos contos no melhor sentido da expressão. Histórias com personagens complexas, que vão se revelando e modificando aos poucos, ou, quando não sofrem essas mudanças, são estraçalhadas pelo peso da realidade. É preciso ler cada conto por camadas, e ir retirando seus sentidos aos poucos, buscando aquilo que o autor ocultou em seu corpo. Somente assim, toda ironia, toda crítica social e toda poética tchekhoviana é revelada ao leitor. Muitas vezes, como em O assassinato, que conta a história de dois primos, sendo que um perdeu tudo por causa de uma amante, mas o outro é um espertalhão que retêm a herança de ambos, que aos poucos vão interferindo nas vidas um do outro, até se tornarem insuportáveis as raias da loucura, o narrador estende a narração para depois que o conflito principal terminou. Assim, tendo ocorrido o clímax, a história ainda persiste, revelando a sua verdadeira face.
Tchekhov partilhou da mesma simpatia pelos “humilhados e ofendidos” que Dostoievski, e escreveu muito sobre isso, tanto dentro quanto fora da ficção. Deste modo, um dos pontos que mais chamam atenção em seu trabalho, é que ele foi um escritor profundamente engajado com as questões sociais, em um período que antecede ao conceito de literatura engajada, que só nasceria próximo a metade do século XX com Sartre.
Assim, Tchekhov foi um homem a frente de seu tempo, e mais que isso, foi responsável por influenciar toda literatura do século que viria, ao ponto de ser chamado como “o pai do conto moderno”, por muitos autores. Alguns, como nosso Rubem Fonseca, não escondem sua influência em sua formação como leitores e posteriormente como escritores. Leitura obrigatória, O assassinato e outas histórias é um dos livros mais densos, ainda que possua uma narrativa leve, mais sutil, belo e terrível, ao mesmo tempo que faz o leitor se apaixonar desde seu primeiro conto, que já foi escrito.


Capa edição Cosac Naify:


Nenhum comentário:

Postar um comentário