Já disse aqui no blog que não sou fã de
crônicas, mas mesmo assim insisto na leitura do gênero. Não apenas porque eu
sou um acadêmico de Letras em um país onde a crônica é um gênero extremamente
importante, mas também porque através dela o leitor pode ter um contato
diferencial com o autor, conhecendo-o de modo mais próximo, que por seu
trabalho ficcional em geral. Foi isso o que me levou a ler o livro O romance morreu (Cia. das Letras,
2004), de um dos meus autores favoritos, Rubem Fonseca. Mas... vamos falar
sobre esse livro outra hora, em um espaço que não será uma resenha, porque o
livro aborda assuntos muito pertinentes, como a sobrevivência do gênero
romanesco e como a arte de fazer pipocas (sim, você realmente leu isso), sendo
esses assuntos muito interessantes e merecendo um espaço para se tratar só
deles. E entre um diálogo leve com o leitor e outro, Fonseca em vários momentos
do livro nos apresenta suas memórias, incluindo de seus tempos em Berlim. Mas
(outro “mas”), em sua última crônica do livro, José - uma história em cinco capítulos, ele nos conta sua infância, sua formação como
leitor, sua mudança para o Rio de Janeiro, etc., sendo que essa crônica seria
adaptada por ele alguns anos mais tarde, acrescentada de mais algumas coisas, e
resultaria em uma novela (que está mais para autobiografia), que é a novela José (Nova Fronteira, 2011), sendo até
agora seu último trabalho.
Rubem Fonseca |
Vamos lá, a novela José e a última crônica do livro O romance morreu começam da mesma forma, literalmente, é o mesmo
texto, que adaptado. Deste ponto em diante (José) Rubem Fonseca vai narrando
suas lembranças mais antigas de modo linear – o que com certeza só é possível
graças a magia da ficção –, indo desde a casa de seus pais, imigrantes
portugueses, onde precisava ler escondido durante a noite, até suas andanças
por um Rio de Janeiro que deixou de existir no tempo. A obra é extremamente
curta, é possível lê-la de uma sentada, e com tem o mesmo estilo inconfundível
que transformou o seu autor em um dos maiores nomes da literatura nacional: um
tom direto, objetivo, sucinto em palavras e extremamente fotográfico. A
história acompanha somente a vida do autor até próximo aos seus 30 anos, mas é
muito interessante na medida em que vai fazendo várias pontes com a obra do
autor que estaria por vir.
Desde os porões com animais medonhos e
peçonhentos onde costumava brincar na infância, e que são agradáveis ao
personagem-narrador no romance Vastas
emoções e pensamentos imperfeitos, até seus dramas familiares com os pais e
avós portugueses, relatados nos seus primeiros livros de contos. É uma bela
aventura pelas memórias (ficcionais) do autor, e um diálogo direto com a pessoa
do autor, ao invés da imagem construída do escritor, o que é ótimo, em termos
de literatura, para humanizar grandes autores e nos lembrar que a grande
literatura nasce do único elemento indispensável para a arte: o gênero humano.
"A
maior de todas as criações do ser humano é a cidade. É no centro das cidades
que o seu passado pode ser sentido e o futuro, concebido."
–
FONSECA, Rubem. José. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2011; 47.
Livro da Cia. das Letras O Romance Morreu, com a crônica José - Uma História em Cinco Capítulos:
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