sábado, 25 de janeiro de 2014

Do amor e do esquecimento. Resenha do romance A Ignorância, de Milan Kundera




Já faz um tempo desde que li A insustentável leveza do ser, do Tcheco, Milan Kundera, e com certeza a expectativa para ler outro livro era imensaaa!!! Basta dizer que A insustentável leveza do ser se tornou um de meus romances preferidos, e não foi de imediato. Depois que fechei o livro e mesmo depois de começar a ler outros títulos, a história de Kundera continuava vagando pela minha cabeça, me assombrando, um tipo de fantasma. Foi quando percebi o quanto o livro me marcou, e se tornou parte de mim. Logo, quando comprei A ignorância (Cia das Letras, 2002), já senti na barriga aquele friozinho de “mal posso esperar”. E valeu a pena? “Tudo vale a pena se a alma...”, nem para tanto, mas com certeza foi uma das melhores leituras de 2013 (é, to meio atrasadinho).
Embora o livro não tenha a mesma intensidade narrativa e poder poético (profundo assim mesmo!) que A insustentável leveza do ser, afinal obras-primas não nascem todos os dias, o livro não deixa de mostrar porque Kundera é apontado pela crítica internacional como um dos maiores escritores contemporâneos do planeta. Extremamente bem escrito, em um tom pessoal (é novamente um narrador onisciente com uma forte inclinação à ser o próprio autor), o romance carrega os desvios temporais que marcam a narração não linear do autor, e continua fazendo as explanações psicológicas que tornam tão densos os romances de Kundera.
Milan kundera 
A trama conta a história de um amor que só se torna possível devido a ignorância dos protagonistas, estes, Irena e Josef, são ambos refugiados da recém formada República Tcheca, fugitivos do domínio comunista que arrasou o país por anos. Agora, depois de muito tempo, eles retornam ao país para descobrir que tudo (ou apenas eles) estava diferente. O romance trata, assim, de um dos assuntos mais europeus (e porque não mundial?) do século XX, que é a perda da identidade. Pois quando esses dois personagens eram apenas exilados, os países que lhes acolheram os viam como imigrantes, e quando voltaram para seu próprio país, o contato com outros povos e novas realidades tratou de modificá-los ao ponto de não se reconhecerem mais como “tchecos”. Então, ao que eles pertencem? Mas antes de responderem essa pergunta ambos se encontram no aeroporto, e levados por um engano decidem se fazer amantes.
O engano: ela o reconhece (ou pensa reconhecer) e acredita que ele está tão impressionado com o encontro enquanto ela. Mas a verdade é que Josef nem imagina quem seja Irena. E o curioso, é que todo sucesso (aquele que houver) de seu relacionamento será derivado desse pequeno detalhe. E com isso Kundera aborda o tema do amor, de como os sentimentos, mesmo o maior deles, é desigual, e muitas vezes (se não em todas) é construído em cima de enganos, erros, e ilusões.

O romance de Kundera é extremamente moderno, e extremamente humano. Seu último trabalho bem poderia ser quase uma novela, mas sua intensidade e profundidade magistral tornam os temas (Kundera se define como um autor que escreve através de temas seus romances) uma dos mais belos e poderosos estudos sobre o amor, a identidade e o conhecimento. Tudo isso combinado com o alcance da narrativa de um dos maiores escritores de todos os tempos. Livro super recomendado. 

Um comentário:

  1. O livro consegue transmitir a mesma sensação de leveza e o mesmo tom triste e um "que" quase fatalista igual ao da Insustentavel Leveza do Ser.

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