Basta
pronunciar o nome do escritor russo Dostoiévski em uma sala com literatos (ou
pseudo-literatos) para ganhar respeito. Isso porque desde sua batalha com
Tolstoi para ser o maior escritor do mundo, Dostoiévski paira sobre os
fantasmas dos maiores escritores da humanidade de todos os tempos. Dono de uma
prosa vertiginosa, em um ritmo latente, que conduz o leitor por vielas sujas,
estreitas e difusamente iluminadas, o russo apaixonado pelos humilhados e
ofendidos, fez jus ao titulo de “o pai da psicanálise”, concedido por ninguém
menos que o tio Freud. E conquistou esse posto graças a sua inclinação por
alguns temas, que se tornaram muito recorrentes ao longo de suas obras, como,
por exemplo, a dualidade, que foi fator determinante na composição de seus
principais personagens (vide Raskólnikov), e que já aparecia em seu segundo
romance (e bem controverso romance) O
duplo (Editora 34, 2011).
A
história do romance contem todos os elementos do universo dostoievskiano, é um
misto de drama pastelão com um humor muito, mas muito negro mesmo. E é esse
tempo ácido que torna a história tão magistral. Dostoiévski é irônico como
nunca, e zomba de seu personagem para zombar da condição social de seu tempo, e
ao fazer isso cria uma nova forma narrativa, até então inédita no século XIX, o
que faz com que seu tema, a loucura, mesmo já não sendo novo, tenha um ar tão inédito
para os russos.
Em
suma, o livro conta as desventuras do senhor Yákov Golyádkin, um funcionário de
uma repartição pública, que ao voltar para casa em uma noite após ter sido
vergonhosamente rejeitado pela jovem que amava, encontrou-se cara a cara com
outro homem, idêntico em todos os aspectos com ele próprio. Desde ponto em
diante, começa o inferno do senhor Golyádkin, que se vê preso em algum tipo de
conspiração absurda cuja única finalidade é desmoralizá-lo e destruir sua vida,
e na qual todas as pessoas em maior ou menor grau estão envolvidos, todos
manipulados por seu único e verdadeiro inimigo: seu duplo.
Fiódor Dostoiévski |
A
construção narrativa é uma sátira, e Dostoiévski parece estar atrás de cada
página zombando de seu personagem. Essa forma de narrar causou grande
desconforto na época, e embora Dostoiévski houvesse sido aclamado pouquíssimo tempo
antes de lançar O duplo, por seu
romance anterior, Gente pobre, ele
vaiado pela crítica e fez muitos leitores torcerem o nariz com a história do
senhor Golyádkin. Mas até aí tudo bem, afinal toda inovação estilística causa
desconforto em seu tempo. Mas o grande ponto da sátira de Dostoiévski, é a
maneira como ele relaciona a frivolidade da sociedade russa em suas regras
sociais, bem como o desprezo que os mais importantes membros da sociedade têm
por seus subalternos. É um humor que chega a ser absurdo, com as cenas
totalmente inusitadas que o escritor pinta.
Ainda
assim, talvez o tema absoluto da obra seja a solidão humana, pois todos os
personagens de O duplo estão
confinados nos limites de sua vida, pela condição social, pela burocracia,
pelos vícios, etc. E assim, a história conta o processo de queda que a solidão ensurdecedora
pode causar, levando um homem até a loucura.
E
em 2013 O duplo ganhou uma versão cinematográfica,
intitulada The Double, com Jesse
Eisenberg no papel principal. O filme ainda não tem data para lançamento do
Brasil, mas confesso estar tão apreensivo quanto ansioso pelo resultado. isso porque a ideia do diretor do filme foi
levar a trama da Rússia do século XIX para os dias atuais. Deu certo com Conan Doyle, Shakespeare, e outros grandes. Vamos ver o que vai ser de Dostoiévski. Você pode conferir o
trailer aí em baixo.
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