domingo, 15 de dezembro de 2013

No ritmo do jazz em On The Road



Quando você está com uma das lendas da literatura para ler você espera encontrar um universo sagrado e desconhecido que te deixe totalmente elevado (olha, que palavreado poético), devido ao seu poder único e original. Um desses mitos é o livro Na estrada, ou On the road (L&PM, 2012) , de Jack Kerouac, livro clássico da literatura americana e o mais famoso da chamada geração Beat. Mas mais que me elevar foi um livro que exigiu muito. É um livro aparentemente despretensioso, que já foi por sua temática inclusive (acreditem ou não) chamado de “subliteratura”. Mas quando você começa a viajar por suas linhas (desculpem o trocadilho bobo) você encontra uma imensidão totalmente inesperada para um livro de 300 páginas. É um livro denso, que se estende por um espaço narrativo próprio, que é tão vasto quanto as dimensões americanas – que é justamente o objeto que o livro se propõe a narrar. Em uma única linha você pode encontrar tanta informação como em um paragrafo. E se a temática do livro foge aos padrões dos clássicos, é porque ela é o retrato de uma era intensa, frenética e em movimento.
O livro foi o primeiro que Kerouac conseguiu publicar após anos de fracassos e recusas, e mesmo assim somente depois de ter seu original mutilado dezenas de vezes pelos editores até se transformar em uma sombra do que Kerouac realmente queria. Atualmente no mercado é possível encontrar a versão original, tal qual foi idealizada pelo autor. Mas, apesar dos pesares, e dessa versão apenas meio ideal que chegou aos leitores pela primeira vez, o livro foi o bastante para consagrar seu escritor, tendo transformado-o em um ícone da moda da noite para o dia.
Jack Kerouac
A história tem forte cunho autobiográfico, e os personagens principais são inspirados no próprio Jack e em seu amigo, Neal Cassady. A trama conta as jornadas dos dois amigos pelos Estados Unidos dos anos 60. Sem dinheiro, sem destino muitas vezes, sem carro, e sem um motivo mais forte que o simples incomodo de se manter quieto, eles apenas se lançam na estrada. A história é contata por Sal Paradise, um jovem bem comportado (se comparado com seu amigo), que deseja ser escritor e alterego de Kerouac. A vida dele muda quando a figura hipnótica de Dean Moriarty entra em sua vida. Dean é um personagem complexo, que sofre de grandes abalos psíquicos, passando por mudanças de humor e fortes impulsos, o que lhe torna um personagem extremamente instável. Mas, por outro lado, é dele o papel mais importante na obra. Dean é a partícula do caos que muda a vida de todos ao seu redor. Sendo extremamente carismático, e dono de uma personalidade magnética, é por sua influência que os personagens se sentem inquietos e sofrem um forte desejo de conhecer o mundo, de se movimentar. É seu espírito livre e intenso que une as células da narrativa.
Assim a história bem que poderia ser um romance de viagem, pois seus personagens estão sempre voltando para a estrada. Na verdade, a estrada em si constitui o personagem principal da história. Ou como o próprio Dean afirma: “A estrada é a vida”. Em suas viagens, o leitor conhece mais sobre os acontecimentos ao longo do caminho que de fato as problemáticas que lhes aguardam em seu destino. A própria trama tem seu ritmo, e o livro cobra um folego vertiginoso do leitor, pois a narrativa está sempre em movimento, rápido e contínuos, sendo só interrompido por exigência dramática.
Kerouac e Cassady
Essa característica da narração, fez com que nascessem muitas interpretações sobre seu sentido. Muito já se falou sobre um sentido espiritual da história, muito sobre uma crítica social aos valores americanos. Mas acho que o livro fala sobre jovens que transformaram a busca por algo novo, por liberdade, em seu sentido de vida. Se acomodar é maçante, o livro fala daquele desejo implícito em todos nós de escaparmos do marasmo, de viver a vida intensamente, de ter algo para contar depois.
Ao mesmo tempo, o caráter rápido, seguido do embalo frenético do jazz e do desejo quase compulsivo de transportar a estrada, os espaços, e os tipos que habitam esse espaço para o papel, fez com que o livro se tornasse um dos mais difíceis de se traduzir, ao ponto do próprio tradutor brasileiro reconhecer que não é uma das melhores traduções, pois tamanha sonoridade tem seu preço, que é o entrelaçadíssimo vinculo com a língua (no caso o inglês). Assim existem marcas de oralidade, trejeitos linguísticos, trocadilhos sonoros, expressões vocálicas, etc. É um livro tanto para ser lido, quanto ouvido.

Cena do filme, On The Road, 2012. Na cena,
Mary ao lado de Jean e Sal.
Toda essa força marcou ícones da cultura do século XX, como a banda The Doors, e a série Supernatural. Além de inúmeros jovens que aderiram ao movimento beat e foram para as estradas viver suas próprias aventuras, o livro ainda é um dos mais influentes do mundo, e seja por seu valor literário ou social, vale a pena ser lido. Mais recentemente, o livro chegou as telas em 2012, após uma outra longa estrada, que começou lá nos anos de 1980, e atravessou os anos 90 e dois mil, onde nomes como  Francis Ford Coppola e Johnny Depp se mostraram muito entusiasmados. Mas justamente pela complexidade de criar um roteiro sobre uma obra tão densa, somente recentemente, com um diretor brasileiro, Walter Salles, conseguiu sair das páginas para as telas. O filme em si é bastante fiel, ao menos tanto quanto uma adaptação se propõe a ser, mas seguindo o ritmo frenético de Kerouac, é um expetaculo que vale a pena ser visto. Além de contar no roteiro com Viggo Mortensen e a garota Crepúsculo, Kirsten Dunst, sendo quase ela mesma no papel. O filme não causou tanto abalo, e claro, como o esperado, que os fãs do livro não o acharão tão bom. Eu vi primeiro o filme e depois li o livro, e confesso que ambos são bons, se você souber manter a distinção entre os tipos de arte, e acho que o filme captou bem o espírito do livro. De todo modo, o mito de Kerouac e On The Road nunca estiveram tão vivos como agora.



Outras capas (a L&PM dominando as publicações no Brasil):




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