segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Um Romance Russo – Resenha de Criança 44 de Tom Rob Smith



Particularmente eu sou muito atraído por ditaduras. Principalmente a Soviética e o período que compete do fim da Segunda Guerra até os anos 80. E como um bom fã do David Fincher, também fico alucinado em uma boa história de serial killer. Logo, Criança 44 (Record, 2013), do britânico Tom Rob Smith, me chamou muita a atenção, mais do que isso, foi um dos livros que mais me criou expectativa. E então saiu a notícia do filme, com um trailer que me fez pirar – eu tinha acabado de ver Mad Max e o Tom Hardy meio que ganhou meu respeito e tal – aí, ler o livro, antes de ver o filme, se tornou assunto de extrema importância. Mas, infelizmente, tanta expectativa não valeu a pena.
Em primeiro lugar é importante lembrar que esse foi o primeiro livro do autor, que é inclusive bem novinho. Em segundo lugar, e isso me ocorreu depois, é impossível evitar a sensação de que se está lendo um livro que se passa na URSS, mas a visão do mundo ao redor é totalmente britânica. Isso fica claro pela visão política implícita no livro e o certo... extremismo com que ele pinta a mentalidade russa. De resto, existe uma ingenuidade, própria dos autores iniciantes no gênero, que acabam forçando a realidade: como a convicção que bastava alguém dizer que se opunha ao governo para receber ajuda incondicional de todos estranhos pelo caminho. Em todo caso, o pior não é isso, o pior é que sem querer o autor criou um enredo (ok, desconfio que foi de propósito) extremamente complexo, que poderia ter transformado Criança 44 no melhor romance de sua geração, mas ele insistiu em escolher seguir com o clichê.
Tom Rob Smith
A história conta a queda de um dos agentes do governo soviético de maior prestigio. Herói de guerra e perseguidor implacável dos traidores da URSS, Liev Demidov começa seu declínio quando recebe a missão de encerrar os rumores que um subalterno estava espalhando após ter tido seu filho supostamente assassinado (o que ia contra os ideais soviéticos, pois na Rússia não existiam crimes). Obedecendo ordens, Liev ignora todos os indícios, e cegamente obriga a família da criança morta a silenciar o assunto. Enquanto isso, ele recebe uma missão ainda mais terrível: investigar a própria mulher. E quando ele se recusa a delata-la como traidora da nação, ambos são exilados no interior do país. Mas as coisas ficam ainda mais complexas quando Liev encontra nesse lugar um segundo corpo, de uma jovem, morta com o mesmo modus operante do filho de seu subordinado. E destes dois assassinatos Liev descobre uma fila de corpos deixada por um serial killer. O que já seria terrível, se na contramão dos acontecimentos o governo não estivesse tentado acobertar os crimes, transformando o já rebaixado e exilado Liev, num criminoso procurado pelo país, enquanto apenas ele está disposto a pegar o perigoso assassino.
O começo da história é fantástico. Uma história onde um homem precisa investigar sua própria mulher e começa a descobrir a verdade sobre seu casamento e sua pátria, num contexto de paranoia, perseguição e claustrofobia (uma vez que na URSS a liberdade individual e privada não existia), poderia ter transformado o livro em uma obra incrível. Eu realmente achei que esse ia ser o foco. Mas quando esse quadro complexo foi se deslocando para o caso do serial killer, e o conflito do casal meio que se resolveu naturalmente, igual a qualquer filme hollywoodiano, a história perdeu toda força e inovação que tinha, transformando o contexto humano extremamente complexo em só mais um folhetim genérico cuja ação se passa num local exótico. E ainda existe uma ligação entre Liev e o assassino que fica óbvia na metade do livro, destruindo a reviravolta que muitos esperavam e que é muito forçada.
Mas o livro ainda consegue te prender e você vai querer saber o final, já que tudo está contra Liev e sua esposa. É uma leitura divertida, que vai consumir dois ou três dias de seu tempo, que você logo vai esquecer, mas vai te divertir. E eu ainda fiquei mais decepcionado ainda, porque descobri que o filme não vai ser transmitido pelos cinemas da minha cidade e da região... Em todo caso, o livro ainda é melhor que os romances do Dan Brown.  
Cena do filme

Em contra partida, é preciso dizer que o filme consegue ser melhor que o livro (apesar da tradução ridícula do titulo para Crimes Ocultos). Eles tiram algo que na minha opinião foi muito forçado no romance e conseguem dar uma abordagem mais natural. E o papel da mulher de Liev no filme também ganha destaque, tanto que nas cenas de ação a impressão que passa é que quem está batendo nos inimigos é ela, não Liev. As interpretações dos personagens são boas e a ambientação do filme é excelente. Existe sim alguns problemas de edição e direção, mas no geral é um bom thriller. Apesar disso, o filme também não é grande coisa. Mas vale a pena conhecer livro e filme pelo contexto histórico. E mesmo que eu não tenha ficado animado para ler as continuações (o que eu farei de qualquer forma, afinal eu comprei a trilogia completa), vou dar uma segunda chance para Liev, afinal a premissa continua sendo muito boa, resta esperar que autor também melhore.

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