Quando Stephen King anunciou que estava
escrevendo uma continuação para seu clássico O Iluminado, muita gente
(principalmente os fãs do bom e velho Kubrick) já foram torcendo o nariz. Não
que a ideia de reencontrar e descobrir o que aconteceu com o menino Danny
Torrance não tenha deixado todo mundo muito animado, mas, como o próprio King admite
no epílogo do livro, um remake, uma continuação, ou seja o que for, de um
clássico, é sempre um desafio – e quase sempre um resultado infeliz. Assim,
Doutor Sono (Suma de Letras, 2014), é apresentado pelo próprio autor como um “exorcismo”
do personagem que nunca abandonou sua mente (e a dos leitores, aparentemente).
E assim, King traz seu personagem da década de 70 até os dias de hoje.
A história começa com os acontecimentos
subsequentes ao primeiro livro, contando que fim tiveram os personagens sobreviventes
(e alguns fantasmas também). Mas o fato é que os fantasmas tão assustadores de
O Iluminado não estão no plano principal dessa sequência. Outro tipo de terror
está destinado a se chocar com o pobre Danny. Mas já chegamos lá. O livro vai
narrando a vida do garoto ao longo das décadas subsequentes, como ele perdeu a
mãe, se envolveu com bebida, e, em suma, de que forma o anjinho do hotel Overlook
se tornou uma pessoa ruim. O que acaba transformando a narrativa em uma
história de redenção, quando Danny chega em uma nova cidade, pequena, e decide
mudar de vida, conseguindo trabalho em um asilo. É nesse asilo que ele ganha a
alcunha sinistra de Doutor Sono, pois embora seja apenas um enfermeiro, seu dom
psíquico lhe permite “facilitar” o momento da morte dos pacientes, motivo pelo
qual ele ganha algum respeito.
Capa do livro |
E assim os anos se passam, até que uma
garota, Abra Stone, entra em sua vida. E trata-se de, nada mais nada menos, uma
versão super poderosa em miniatura do próprio Danny (tão poderosa que ela tem
seu primeiro contato psíquico com Danny aos três meses de idade), e assim como
o protagonista do primeiro livro, ela logo chama a atenção das criaturas das
trevas: o Verdadeiro Nó. Uma seita de criaturas que podem viver para sempre se
alimentando de crianças com “iluminação”. E conforme o Verdadeiro Nó se volta
contra Abra, ela procura ajuda em Danny, que se tornará seu mentor e melhor
amigo na luta eminente que se aproxima.
King mostra novamente seu poder
fantástico de criar personagens nesse livro, pois todos eles (inclusive os
vilões) são extremamente cativantes, sendo que provavelmente essa característica
seja o ponto forte do livro. É impossível não querer saber como a história
termina e ler suas 500 páginas em três dias. Mas um ponto me chamou bastante a
atenção: a mudança total na natureza da história.
Para quem leu (ou assistiu) O Iluminado,
nos é apresentada uma família com problemas estruturais e financeiros, e uma
cena de total isolamento, na qual os três (quatro com o cozinheiro) ficam
presos em um hotel isolado contra os fantasmas que na época eram o auge do
assustador. Mas hoje em dia, se pensarmos em termos de mercado, o que está na
moda é o extremo oposto, ou seja, as histórias de equipes (vide Os Vingadores)
e as tramas com muitos personagens (bate aqui tio Martim), e para falar a
verdade, séries como Supernatural tornaram os fantasmas bem menos assustadores.
E o resultado é a reformulação total de Doutor Sono em detrimento da primeira
história. Nós temos dois protagonistas, com muitos “amigos” para ajudar, e um
grupo de vilões que não deixam de ser simpáticos. Não sei se só eu achei isso,
mas essa “atualização” da história me pareceu muito significativa, e até legal,
se pensarmos que estamos acompanhando o desenvolvimento das narrativas
fantásticas e de terror. Em todo caso, a história é envolvente e te convence,
mesmo sem dar medo. É uma boa leitura, como praticamente tudo que o Stephen
King escreve, e os fantasmas de Stephen King são agora, mais do que nunca,
pops.
Stephen King |
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