sexta-feira, 4 de abril de 2014

O campo de centeio – Resenha de O Apanhador no Campo de Centeio



E para terminar nosso mês mais que especial de clássicos, escolhi um dos cem livros mais importantes do século XX, e que marcou gerações e gerações de leitores no mundo, com mais de 250 mil exemplares ainda vendidos todos os anos, mais de cinquenta anos após seu lançamento! Confira:
Existem livros que quando você decide se aventurar por suas páginas te causam aquela sensação de estar pisando em território sagrado, e a despeito da ausência de arvores que queimam sem jamais se consumir, trovões, vozes sinistras vinda do além e luzes mágicas, essa sensação de sagrado é ressaltada por todo mito que reveste a obra. E nem é preciso ler um capítulo inteiro, já basta o título para desencadear um palpitar diferente no seu coração, só para você sentir que está diante de uma lenda da literatura. E embora os Harolds Blooms da vida tenham uma ou outra palavrinha para dizer sobre esse fenômeno de canonização literária, o que te importa é que algum deus das palavras decidiu dividir com você um pouquinho de sua grandiosidade atemporal. E foi mais ou menos isso que ler O apanhador no campo de centeio (Do Autor, 2012) significou para mim.
J. D. Salinger, enquanto agride o fotografo
E eu sei que se você está lendo isso é porque está esperando aquele momento do “e o livro fala sobre...” e “o que eu achei do livro...” mas, antes do praxe, preciso dizer que toda essa aura de mito me fez, quando comecei a ler, ter aquela sensação de estar realizando algo, e quando terminei fui mais uma vítima da idealização vs. realidade, sem que isso signifique que eu não tenha gostado, só que toda expectativa criou um quadro irrealizável na prática, o que não me tornou o mais ideal dos leitores (você também já deve ter passado por isso).
Agora, enfim, vamos falar do livro! O livro polêmico, que colocou J. D. Salinger ao mesmo tempo no limbo dos autores “proibidos” em várias partes do mundo (e do próprio EUA), e nos pedestais dos maiores escritores do século XX (dá para entender porque o cara decidiu se isolar boa parte de sua vida). Em todo caso, o livro que também é envolto por polêmicas, censuras e proibições, além de ser associado com vários assassinatos famosos (os Beatles que o digam), também é responsável por uma das maiores revoluções literárias já registradas. E não apenas para a literatura americana, para a literatura mundial como um todo. Há até críticos que dividem a literatura do século XX com um antes e depois do O apanhador no campo de centeio.
E isso porque Salinger promoveu uma revolução no campo das palavras, tanto pelo vocabulário que adotou, como pela escolha de seu personagem. Holden, o anti-herói adolescente mais cultuado do mundo, é uma versão dostoievskiana de herói mirim. Perturbado, ambíguo, o personagem se tornou um símbolo da rebeldia juvenil. E embora o personagem tenha uma grande quantidade de dor e ódio voltado para a sociedade como um todo, boa parte desse ódio o próprio protagonista não consegue explicar, e não chega direto a nós os leitores, se não por meio de sutilidades e subtendidos propositais deixados como pista pelo autor. Mas falaremos já já disso. Por outra, o outro ponto que é fundamental na obra ser citado é a revolução da linguagem. Embora gírias e dialetos do submundo já houvessem sido empregados antes (como por Victor Hugo), Salinger criou uma revolução ao trazer primeiramente isso ao primeiro plano, dando nas mãos de alguém desse meio a narrativa, alguém que além de utilizar essa linguagem ainda se expressa tão inconstantemente e algumas vezes vago quanto um adolescente problemático. Assim a narração acontece com palavras fortes, marcadas por gírias, e que transmitem toda ira juvenil de seu narrador, que foi o que chocou inicialmente o público. Aliado a isso, a oralidade expressiva e volúvel de alguém que não consegue se definir, e está indo em uma direção, com rodeios, confusões e mudanças súbitas de humor, provavelmente caracterizam o que existe de mais complexo na composição do livro. (E infelizmente preciso fazer um parêntese para ressaltar que no campo da linguagem a tradução brasileira é uma droga! Com uso de expressões “abrasileiradas” e outras afrontas ao texto original). 
Holden Caulfield
E se você estava pensando que eu não iria contar o enredo, pode respirar aliviado. A história conta as desventuras de Holden Caulfield, um jovem nos últimos anos do ensino médio (equivalente no Brasil) e que acaba de ser expulso de sua escola. Ele precisa voltar para casa, mas antes disso ele prefere se esconder de todos que conhece, e tentar, ao seu modo, fugir das consequências. Mas durante a narração percebemos que ser expulso é apenas a ponta do iceberg. Holden é marcado pela perda de um irmão, somado com outros problemas implícitos na obra, que provavelmente são o motivo para o autor escolher o misterioso título O apanhador no campo de centeio. Em algum momento da obra, Holden e sua irmão (que é uma importante personagem embora apareça pouco, e que ele descreve com uma idade, mas provavelmente é um pouco mais velha) conversam sobre o porquê dele estar “tão perdido” e ele cita um poema que poderia explicar o título. Mas a verdade é mais profunda do que um simples complexo de Peter Pan, e trata-se, na minha opinião, de um sentimento de culpa, que o faz querer voltar eternamente no tempo em que ele poderia salvar alguém. Mas esse sou eu, claro. Além da irmã, um irmão mais novo é citado sempre na obra, como uma lembrança especial.
E embora eu tenha me tocado que essa resenha já ficou enorme, e que eu não disse dez por cento do que gostaria, terminarei dizendo: leia esse livro. É uma história densa e profunda, muito diferente da maioria dos chamados “livros para adolescentes”. É preciso ler com calma e se possível reler, para compreender toda dimensão do personagem. E caso você decida ler esse livro para tentar entender porque tantos assassinos famosos o citam como espiração, desista, o motivo não está claro (esse é um trabalho para os caçadores “babacas” de mensagens subliminares), e provavelmente é fruto só da cabeça deturpada dos assassinos.

Um comentário:

  1. Já li esse livro umas três vezes. Todo jovem tem que ler. Depois de adulto, temos que ler também.
    Enfim, um livro essencial.

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