E para terminar nosso mês mais que especial de clássicos, escolhi um dos cem livros mais importantes do século XX, e que marcou gerações e gerações de leitores no mundo, com mais de 250 mil exemplares ainda vendidos todos os anos, mais de cinquenta anos após seu lançamento! Confira:
Existem livros
que quando você decide se aventurar por suas páginas te causam aquela sensação
de estar pisando em território sagrado, e a despeito da ausência de arvores que
queimam sem jamais se consumir, trovões, vozes sinistras vinda do além e luzes
mágicas, essa sensação de sagrado é ressaltada por todo mito que reveste a
obra. E nem é preciso ler um capítulo inteiro, já basta o título para
desencadear um palpitar diferente no seu coração, só para você sentir que está
diante de uma lenda da literatura. E embora os Harolds Blooms da vida tenham
uma ou outra palavrinha para dizer sobre esse fenômeno de canonização
literária, o que te importa é que algum deus das palavras decidiu dividir com
você um pouquinho de sua grandiosidade atemporal. E foi mais ou menos isso que
ler O apanhador no campo de centeio
(Do Autor, 2012) significou para mim.
J. D. Salinger, enquanto agride o fotografo |
Agora, enfim,
vamos falar do livro! O livro polêmico, que colocou J. D. Salinger ao mesmo
tempo no limbo dos autores “proibidos” em várias partes do mundo (e do próprio
EUA), e nos pedestais dos maiores escritores do século XX (dá para entender
porque o cara decidiu se isolar boa parte de sua vida). Em todo caso, o livro
que também é envolto por polêmicas, censuras e proibições, além de ser
associado com vários assassinatos famosos (os Beatles que o digam), também é
responsável por uma das maiores revoluções literárias já registradas. E não
apenas para a literatura americana, para a literatura mundial como um todo. Há
até críticos que dividem a literatura do século XX com um antes e depois do O apanhador no campo de centeio.
E isso porque
Salinger promoveu uma revolução no campo das palavras, tanto pelo vocabulário
que adotou, como pela escolha de seu personagem. Holden, o anti-herói adolescente
mais cultuado do mundo, é uma versão dostoievskiana de herói mirim. Perturbado,
ambíguo, o personagem se tornou um símbolo da rebeldia juvenil. E embora o
personagem tenha uma grande quantidade de dor e ódio voltado para a sociedade
como um todo, boa parte desse ódio o próprio protagonista não consegue
explicar, e não chega direto a nós os leitores, se não por meio de sutilidades
e subtendidos propositais deixados como pista pelo autor. Mas falaremos já já
disso. Por outra, o outro ponto que é fundamental na obra ser citado é a
revolução da linguagem. Embora gírias e dialetos do submundo já houvessem sido
empregados antes (como por Victor Hugo), Salinger criou uma revolução ao trazer
primeiramente isso ao primeiro plano, dando nas mãos de alguém desse meio a
narrativa, alguém que além de utilizar essa linguagem ainda se expressa tão
inconstantemente e algumas vezes vago quanto um adolescente problemático. Assim
a narração acontece com palavras fortes, marcadas por gírias, e que transmitem
toda ira juvenil de seu narrador, que foi o que chocou inicialmente o público.
Aliado a isso, a oralidade expressiva e volúvel de alguém que não consegue se
definir, e está indo em uma direção, com rodeios, confusões e mudanças súbitas
de humor, provavelmente caracterizam o que existe de mais complexo na
composição do livro. (E infelizmente preciso fazer um parêntese para ressaltar
que no campo da linguagem a tradução brasileira é uma droga! Com uso de
expressões “abrasileiradas” e outras afrontas ao texto original).
Holden Caulfield |
E se você estava
pensando que eu não iria contar o enredo, pode respirar aliviado. A história
conta as desventuras de Holden Caulfield, um jovem nos últimos anos do ensino
médio (equivalente no Brasil) e que acaba de ser expulso de sua escola. Ele
precisa voltar para casa, mas antes disso ele prefere se esconder de todos que
conhece, e tentar, ao seu modo, fugir das consequências. Mas durante a narração
percebemos que ser expulso é apenas a ponta do iceberg. Holden é marcado pela
perda de um irmão, somado com outros problemas implícitos na obra, que
provavelmente são o motivo para o autor escolher o misterioso título O apanhador no campo de centeio. Em
algum momento da obra, Holden e sua irmão (que é uma importante personagem
embora apareça pouco, e que ele descreve com uma idade, mas provavelmente é um
pouco mais velha) conversam sobre o porquê dele estar “tão perdido” e ele cita
um poema que poderia explicar o título. Mas a verdade é mais profunda do que um
simples complexo de Peter Pan, e trata-se, na minha opinião, de um sentimento
de culpa, que o faz querer voltar eternamente no tempo em que ele poderia
salvar alguém. Mas esse sou eu, claro. Além da irmã, um irmão mais novo é
citado sempre na obra, como uma lembrança especial.
E embora eu
tenha me tocado que essa resenha já ficou enorme, e que eu não disse dez por
cento do que gostaria, terminarei dizendo: leia esse livro. É uma história
densa e profunda, muito diferente da maioria dos chamados “livros para
adolescentes”. É preciso ler com calma e se possível reler, para compreender
toda dimensão do personagem. E caso você decida ler esse livro para tentar
entender porque tantos assassinos famosos o citam como espiração, desista, o
motivo não está claro (esse é um trabalho para os caçadores “babacas” de
mensagens subliminares), e provavelmente é fruto só da cabeça deturpada dos
assassinos.
Já li esse livro umas três vezes. Todo jovem tem que ler. Depois de adulto, temos que ler também.
ResponderExcluirEnfim, um livro essencial.