domingo, 9 de março de 2014

Anatomia dos clássicos



Somente depois de escrever esse título eu me dei conta do quando ele é pretensioso. Mas, em minha defesa, digo que a tarefa que me coube é igualmente pretenciosa: escrever uma introdução para um especial de clássicos no blog. Me deu até um friozinho na espinha, para falar a verdade, e enquanto eu vou enchendo linhas para ganhar tempo, me ocorre que críticos e teóricos literários do mundo inteiro se debatem sobre essa questão há muito tempo, sem terem chegado em um consenso em absoluto. Logo, não tenho certeza que posso contribuir muito para esse campo, principalmente porque com pouco mais de duzentos livros lidos na vida ainda sou um leitor amador. Em todo caso, tarefa dada é tarefa cumprida, então seja o que Deus quiser...
A primeira coisa que me ocorre quando falo em clássicos é a divisão que isso provoca nos leitores. Enquanto alguns julgam os clássicos os livros mais sérios e criteriosos que existem, outros o consideram sumamente difícil e de acesso complexo – para alguns até algo obsoleto. Assim existe uma divisão entre leitura chamada “best-seller” e leitura de clássicos.
Mas eu não enxergo tão preto no branco essa divisão. Em primeiro lugar porque o termo “best-seller” é empregado por muitos leitores como algo pejorativo, tido como literatura de segunda categoria. Mas, esses intransigentes não levam em conta que muitos clássicos foram em seu tempo verdadeiros best-sellers: Os miseráveis, de Victor Hugo, por exemplo, venderam milhares de cópias só nos seus primeiros meses de publicação, tendo sido um fenômeno literário digno de Harry Potter ou Crepúsculo. E se não for o bastante, foi um livro que muitos críticos chamaram de subliteratura (Dostoievski, por exemplo – apesar de Tolstói ter amado o livro).
Em contrapartida, atualmente muitos livros e autores bons se tornam best-sellers, e podemos atribuir isso ao seu talento, não as leis de mercado. É o caso do Saramago, ou do Rubem Fonseca aqui no Brasil. E quanto a linguagem difícil, e tal, é importante lembrar que as obras clássicas foram escritas em um tempo diferente do nosso, onde a linguagem não era difícil. E, pesando tudo isso, eu realmente creio que não existam livros difíceis, mas leitores despreparados (tirando os livros de James Joyce, Marcel Proust, Guimarães Rosam William Faulkner e Thomas Mann, claro), enquanto outros autores clássicos possuem uma linguagem extremamente acessível sim, como Kafka, Hemingway e F. Scott Fitzgerald por exemplo.
Ítalo Calvino 
Mas o que determina que os livros desses autores venham a receber o tão celebrado peso de um clássico? Ítalo Calvino (e tenho certeza que muitos pensaram que eu usaria esse livro como base, afinal, ele é um clássico da teoria literária) em sua obra Por que ler os clássicos (Cia. das Letras, 2007), defende que um clássico pode ser lido por leitores de todos os tempos, e por mais que as condições sociais, religiosas, costumes e afins mudem, o leitor de todos os tempos sempre irá encontrar no clássico algo que lhe fale diretamente em sua vida. Isso quer dizer que um clássico é um livro que, acima de tudo, é atemporal, e pode ser lido em qualquer tempo com algo de imediato ao leitor. Ao mesmo tempo, para continuar sendo lido (e relido!) é importante que ele tenha sempre algo novo para dizer, por mais conhecida que seja a história, mesmo para alguém que já o leu. Assim, Calvino defende um clássico como um livro que jamais termina de dizer o que tem para dizer. É algo que sempre se renova. Outro ponto importante, é que o clássico é universal, ou seja, todos conhecem, e ainda assim extremamente pessoal, porque cada leitor tira de um clássico uma medida diferente. Assim, existe um livro que pode sim ser um clássico apenas para mim, enquanto pode haver outro clássico que eu odeio (particularmente eu e os clássicos brasileiros não nos damos bem, mas isso é uma herança dos meus tempos de escola).
C. S. Lewis
C. S. Lewis, em outro livro fantástico chamado Uma experiência na crítica literária (Unesp, 2009), defende que o que determina o valor de um livro é primeiro o modelo de leitor. Assim, um livro que nós não gostamos ou achamos difícil, provavelmente é resultado de nossas expectativas e gostos sobre o livro, sendo que o ideal para se ler um livro de verdade é lê-lo sem preconceito e sem desejos, é deixar que o livro conduza o leitor, que o livro exija o que pretende do leitor, e que o leitor cobre apenas isso do livro. Assim, o problema da dificuldade nos clássicos pode residir em nossa forma de ler. Mas o nessa mesma obra, Lewis defende que um valor de um livro é determinado pela capacidade que um livro tem de tocar seus leitores, e por isso um best-seller do pior tipo pode vir a se tornar um clássico pessoal para mim.
Mas para fechar o assunto, pensemos em quantos livros foram publicados nos tempos de Machado de Assis, Victor Hugo, Tolstói, Hemingway, e quantos dos autores contemporâneos desses grandes nomes nós conhecemos hoje. Muitos poucos. E mesmo de alguns nomes cujos livros sobreviveram, apenas uma parcela de suas obras ainda é lida. Isso porque o tempo é sim o maior dos juízes, e por isso um clássico é uma obra cujo conteúdo humano, cuja verdade, cuja beleza, cujos traços são tão fortes, que irão sobreviver ao tempo e habitar seus leitores em todas as épocas, como parte do imaginário e do conhecimento humano. Assim, o verdadeiro clássico é aquele que é, antes de tudo, humano, e partilha dos sentimentos, sonhos, medos, carências, e problemas do homem enquanto houver humanidade.



Está feito! Não foi tão difícil, mas também não foi um passeio no parque. E se você é do tipo de leitor que só encara clássicos, ou que quer começar a caminhar por essas veredas, confira ao longo dessas três semanas que restam de Março nossos posts especiais, com resenhas, críticas, e curiosidades.

Até.

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