Somente depois de escrever esse
título eu me dei conta do quando ele é pretensioso. Mas, em minha defesa, digo
que a tarefa que me coube é igualmente pretenciosa: escrever uma introdução
para um especial de clássicos no blog. Me deu até um friozinho na espinha, para
falar a verdade, e enquanto eu vou enchendo linhas para ganhar tempo, me ocorre
que críticos e teóricos literários do mundo inteiro se debatem sobre essa
questão há muito tempo, sem terem chegado em um consenso em absoluto. Logo, não
tenho certeza que posso contribuir muito para esse campo, principalmente porque
com pouco mais de duzentos livros lidos na vida ainda sou um leitor amador. Em
todo caso, tarefa dada é tarefa cumprida, então seja o que Deus quiser...
A primeira coisa que me ocorre
quando falo em clássicos é a divisão que isso provoca nos leitores. Enquanto
alguns julgam os clássicos os livros mais sérios e criteriosos que existem, outros
o consideram sumamente difícil e de acesso complexo – para alguns até algo
obsoleto. Assim existe uma divisão entre leitura chamada “best-seller” e
leitura de clássicos.
Mas eu não enxergo tão preto no branco essa divisão. Em
primeiro lugar porque o termo “best-seller” é empregado por muitos leitores
como algo pejorativo, tido como literatura de segunda categoria. Mas, esses
intransigentes não levam em conta que muitos clássicos foram em seu tempo
verdadeiros best-sellers: Os miseráveis,
de Victor Hugo, por exemplo, venderam milhares de cópias só nos seus primeiros
meses de publicação, tendo sido um fenômeno literário digno de Harry Potter ou Crepúsculo. E se não for o bastante, foi um livro que muitos
críticos chamaram de subliteratura (Dostoievski, por exemplo – apesar de
Tolstói ter amado o livro).
Em contrapartida, atualmente muitos livros e
autores bons se tornam best-sellers, e podemos atribuir isso ao seu talento,
não as leis de mercado. É o caso do Saramago, ou do Rubem Fonseca aqui no Brasil.
E quanto a linguagem difícil, e tal, é importante lembrar que as obras
clássicas foram escritas em um tempo diferente do nosso, onde a linguagem não
era difícil. E, pesando tudo isso, eu realmente creio que não existam livros difíceis,
mas leitores despreparados (tirando os livros de James Joyce, Marcel Proust,
Guimarães Rosam William Faulkner e Thomas Mann, claro), enquanto outros autores
clássicos possuem uma linguagem extremamente acessível sim, como Kafka,
Hemingway e F. Scott Fitzgerald por exemplo.
Ítalo Calvino |
Mas o que determina que os livros
desses autores venham a receber o tão celebrado peso de um clássico? Ítalo
Calvino (e tenho certeza que muitos pensaram que eu usaria esse livro como
base, afinal, ele é um clássico da teoria literária) em sua obra Por que ler os clássicos (Cia. das
Letras, 2007), defende que um clássico pode ser lido por leitores de todos os tempos,
e por mais que as condições sociais, religiosas, costumes e afins mudem, o
leitor de todos os tempos sempre irá encontrar no clássico algo que lhe fale
diretamente em sua vida. Isso quer dizer que um clássico é um livro que, acima
de tudo, é atemporal, e pode ser lido em qualquer tempo com algo de imediato ao
leitor. Ao mesmo tempo, para continuar sendo lido (e relido!) é importante que
ele tenha sempre algo novo para dizer, por mais conhecida que seja a história,
mesmo para alguém que já o leu. Assim, Calvino defende um clássico como um
livro que jamais termina de dizer o que tem para dizer. É algo que sempre se
renova. Outro ponto importante, é que o clássico é universal, ou seja, todos
conhecem, e ainda assim extremamente pessoal, porque cada leitor tira de um
clássico uma medida diferente. Assim, existe um livro que pode sim ser um
clássico apenas para mim, enquanto pode haver outro clássico que eu odeio
(particularmente eu e os clássicos brasileiros não nos damos bem, mas isso é
uma herança dos meus tempos de escola).
C. S. Lewis |
C. S. Lewis, em outro livro
fantástico chamado Uma experiência na
crítica literária (Unesp, 2009), defende que o que determina o valor de um
livro é primeiro o modelo de leitor. Assim, um livro que nós não gostamos ou
achamos difícil, provavelmente é resultado de nossas expectativas e gostos
sobre o livro, sendo que o ideal para se ler um livro de verdade é lê-lo sem
preconceito e sem desejos, é deixar que o livro conduza o leitor, que o livro
exija o que pretende do leitor, e que o leitor cobre apenas isso do livro.
Assim, o problema da dificuldade nos clássicos pode residir em nossa forma de
ler. Mas o nessa mesma obra, Lewis defende que um valor de um livro é
determinado pela capacidade que um livro tem de tocar seus leitores, e por isso
um best-seller do pior tipo pode vir a se tornar um clássico pessoal para mim.
Mas para fechar o assunto, pensemos
em quantos livros foram publicados nos tempos de Machado de Assis, Victor Hugo,
Tolstói, Hemingway, e quantos dos autores contemporâneos desses grandes nomes
nós conhecemos hoje. Muitos poucos. E mesmo de alguns nomes cujos livros
sobreviveram, apenas uma parcela de suas obras ainda é lida. Isso porque o
tempo é sim o maior dos juízes, e por isso um clássico é uma obra cujo conteúdo
humano, cuja verdade, cuja beleza, cujos traços são tão fortes, que irão
sobreviver ao tempo e habitar seus leitores em todas as épocas, como parte do
imaginário e do conhecimento humano. Assim, o verdadeiro clássico é aquele que
é, antes de tudo, humano, e partilha dos sentimentos, sonhos, medos, carências,
e problemas do homem enquanto houver humanidade.
Está feito! Não foi tão difícil,
mas também não foi um passeio no parque. E se você é do tipo de leitor que só
encara clássicos, ou que quer começar a caminhar por essas veredas, confira ao
longo dessas três semanas que restam de Março nossos posts especiais, com
resenhas, críticas, e curiosidades.
Até.
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